segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Onde Vivem os Monstros? Shopping Não tem Avatar...


IMAGEM PUBLICADA _ A imagem religiosa de São JORGE da Capadócia, um ex-santo católico, ainda Ogum nos cultos afrobrasileiros, que, para muitos, ainda simboliza um guerreiro, que luta e tenta vencer um DRAGÃO, ou seja um monstro, que podemos chamar de PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO se assim consideramos estes 'monstros' que fazem barreira às conquistas de acessibilidade e desenho universal nos espaços públicos.

InfoAtivo DefNet nº 4349 - ACESSIBILIDADE

Ao tentar encontrar um meio de responder à uma mensagem, como um cliente/consumidor, recentemente recebida do Shopping Dom Pedro (SAC), pensei em ir novamente ao Cinema, tentando encontrar outras respostas. Outras possibilidades de chegar até a sala de cinema. Porém descobri que teria antes de promover a resposta da resposta, de escolher um filme. Encontrei um filme ideal: ONDE VIVEM OS MONSTROS, tradução que me parece mais brasileira do que o original - Where the Wild Things Are.

Fui cutucado por uma pessoa amiga sobre a existência de salas de cinemas fora de shoppings centers. Sim existem países que ainda preservam suas salas de cinema e não as evangelizaram. Elas não são um saudosismo barato de quem ama velhos filmes clássicos. Elas não impõem as mesmas barreiras dos atuais concentradores de salas que são os shopping centers.

Os cinema Paradiso ficavam de preferência no coração da cidade e eram frequentados por todos e todas, sem discriminação, em especial econômica, em algumas cidades do interior, como a minha, dava para ir a pé. Mas hoje por lá, nessas salas de projeção, ou se entoam cantos e promessas de milagres ou se perpetua um silêncio de teias de aranha e de futura demolição.

A ideia de existência de espaços de exibição de cinema fora do mundo Shopping é um desejo, mas como no filme que queria ir assistir também pode ser mais que uma fantasia. Os monstros da inacessibilidade continuam existindo, pois para remover barreiras visíveis primeiro temos de demolir as que não estão tão visíveis assim. Não fui ver os monstros da fantasia de menino. Tive receio de novamente me decepcionar ou indignar. Não com a beleza animada mas com o desânimo de quem não tem respostas às indignações.

Outro dia recebi a resposta, demorada, do SAC do Shopping D. Pedro, acerca da minha reclamação dos problemas de acessibilidade deste shopping. Reclamei da proporção de cadeiras de rodas (rudimentares), que segundo a carta do SAC são apenas 10, sendo a extensão geográfica do Parque D. Pedro correspondente, no mínimo, a de vários shoppings agrupados: são 189.000 m², com dois pavimentos, e, para os cinéfilos são 15 salas de Kinoplex.

Mas o texto da carta é mais elucidativo: "O Shopping conta atualmente com 10 cadeiras convencionais e 08 motorizadas para atender aos usuários. As cadeiras ficam disponíveis na Entrada das Águas - ponto central do shopping. As cadeiras motorizadas para atendimento, principalmente, de nosso público deficiente físico e os clientes que vêm com acompanhantes, disponibilizamos as cadeiras convencionais."

Ou seja se 20 pessoas com mobilidade reduzida, nem digo pessoas com deficiência física, chegarem, simultaneamente, aos muitos metros deste espaço, pela simples matemática, que não é o meu forte, já teremos sobrando 02 cidadãos ou cidadãs que não poderão se locomover em direção às compras ou à diversão. Temos 18 'assentos' mas o número de frequentadores com a necessidade e o direito constitucional de ir e vir. Mas ainda temos a questão de acesso inicial.

Todos precisam primeiro chegar e encontrar uma vaga de estacionamento. E a resposta nos indica como ainda as vagas reservadas são tratadas no espaço público que se transforma em exclusivamente privado: "Sobre nosso estacionamento gostaríamos de esclarecer que, nossos seguranças estão orientados a pedir a colaboração dos clientes que não se enquadram no perfil para a utilização das vagas de idosos e deficientes físicos. Entretanto, infelizmente, não temos poder legal e muitas vezes contamos com o bom senso e a colaboração de cada um para que esta lei seja respeitada", me respondeu o SAC Dom Pedro.

Realmente o shopping e seus funcionários não tem o papel legal de reprimir e multar as pessoas que ainda insistem em ocupar estas vagas. Mas como utiliza uma área pública e aberta à circulação de seus consumidores o shopping, que não tem um AVATAR, pode e deve conscientizar através de muitas AÇÕES os seus visitantes consumistas do direito de uso desses espaços reservados em lei.

 O shopping precisa pensar o futuro. Talvez a maioria de usuários ainda não seja de gestantes, idosos, pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, mas estamos em tempos de visibilização desses cidadãos e cidadãs. Breve eles poderão ter um maior poder de compra e de consumo, assim nossos governantes tem propagandeado.

E aí, os shoppings só terão os 2% do total de vagas garantidas para os sujeitos com deficiência? e mais uns 5% para os idosos? e os outros que também precisam de acesso e acessibildade garantida? Esses consumidores-cidadãos conseguirão ter a Entrada das Águas passadas do shopping com mais cadeiras motorizadas e todos os meios para sua circulação livre 'por todo os 'mil metros' do mundo shopping?

Enfim, após a resposta do SAC do Shopping, continuarei aguardando uma nova oportunidade para visitá-lo e, consciente da minha condição de cidadania, farei uma boa 'fiscalização' das mudanças que por lá possam estar assustando os "monstros'' que ainda são realidade, ou seja as barreiras, no meio da longa estrada aberta da ACESSIBILIDADE.

Senhores e senhoras do Dom Pedro abram as portas e todas as entradas para o BLOCO que vem sendo criado e de número imprevisível: o BLOCO DO INDIGNADOS E CAÇADORES DE BARREIRAS... com presença de passistas cadeirantes motorizados, abre-alas cegos, gestantes como baianas, carros alegóricos com selos emitidos pela EMDEC, uma bateria sincronizada de amputados, rainhas de bateria em cadeiras de rodas, mestre-salas surdos, porta-bandeiras com mais de 80anos, e no alto sensuais destaques com nanismo, e para fechar o desfile dos não-anormais, mas simples cidadãos com vontade de passear e carnavalizar a vida, virão como comissão de frente um grande balé-samba mágico executado por paralisados (as) cerebrais.

Ei, Dom Pedro, filho daquele que gritou Independência ou Sorte, antecipando o grito do MVI (MOVIMENTO DE VIDA INDEPENDENTE), que tal criar uma campanha publicitária (pagaporvocêsenãopelosconsumidores) com o tema:

ACESSIBILIDADE JÁ! Nós temos Cadeiras de Rodas e garantimos Vagas para Idosos, Gestantes e Pessoas com Deficiência ou Mobilidade Reduzida ....
O que é LEI PARA TODOS É UM PRAZER PARA NÓS: VENHA COMPRAR, SE DIVERTIR, SE ALIMENTAR E SE EMOCIONAR COM O CINEMA AQUI, pois o que oferecemos é um compromisso com o nosso próprio futuro.

Sabemos que uma cadeira de rodas ou um andador ou um scooter é: UM LUGAR OU MEIO DE LOCOMOÇÃO, QUE PODE HOJE SER SEU, MAS COM O TEMPO TEM MUITAS CHANCES DE SER OCUPADO POR QUALQUER UM DE NÓS.........


E QUE O SANTO GUERREIRO SEJA O ESTANDARTE DESSE BLOG/BLOCO FUTURISTA E INEVITÁVEL...


COPYRIGHT JORGEMARCIOPEREIRADEANDRADE 2010-2011

FONTES:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Parque_Dom_Pedro_Shopping

Sobre o Cadastramento junto á EMDEC para as VAGAS ESPECIAIS - indispensável devido às novas leis sobre CREDENCIAIS para Idosos e Pessoas com Deficiência ou Baixa Mobilidade
http://www.jusbrasil.com.br/politica/4517541/emdec-ja-cadastrou-mais-de-5-mil-para-vagas-especiais-de-estacionamento

Shoppings respondem a reclamações de pessoas com deficiência

 http://saci.org.br/?modulo=akemi&parametro=3464

Shoppings na mira da Prefeitura (de São Paulo)

 http://www.dcomercio.com.br/Materia.aspx?id=36159

"Durante um ano e meio, o MPE negociou com os 50 shoppings da Capital a adoção de medidas para cumprir a legislação que visa proteger os direitos de pessoas com deficiência física, como a Lei 10.098/00, cujos prazos para a implementação de medidas de acessibilidade já se esgotaram há muito tempo..."

Guia Brasil para Todos - www.brasilparatodos.com.br informa sobre a ACESSIBILIDADE em várias Cidades do Brasil.

Leis que embasam o direito de cadeiras de rodas e vagas especiais para idosos e pessoas com deficiência -

LEI Nº 12.107, DE 11 DE OUTUBRO DE 2005.

Obriga o fornecimento gratuito de veículos motorizados para facilitar a locomoção de portadores de deficiência física e idosos.

LEI Nº 10.779, DE 9 DE MARÇO DE 2001.

Obriga os "shopping centers" e estabelecimentos similares, em todo o Estado, a fornecer cadeiras de rodas para pessoas portadoras de deficiência e para idosos.

REVOGADA PELA LEI Nº 12.548, DE 27 DE FEVEREIRO DE 2007, QUE CONSOLIDOU A LEGISLAÇÃO DO IDOSO

http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/RESOLUCAO_CONTRAN_304.pdf - Dispõe sobre as vagas de estacionamento destinadas exclusivamente a veículos que transporte pessoas portadoras de deficiência e com dificuldade de locomoção.

Considerando a Lei Federal nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que dispõe sobre normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência e com dificuldade de locomoção, que, em seu art. 7°, estabelece a obrigatoriedade de reservar 2 % (dois por cento) das vagas em estacionamento regulamentado de uso público para serem utilizadas exclusivamente por veículos que transportem pessoas portadoras de deficiência ou com dificuldade de locomoção
Art. 4º O uso de vagas destinadas às pessoas portadoras de deficiência e com dificuldade de locomoção em desacordo com o disposto nesta Resolução caracteriza infração prevista no Art. 181, inciso XVII do CTB.

sobre SÃO JORGE/OGUM - ver http://www.ruadasflores.com/ogum/

LEIAM TAMBÉM NO BLOG -
SHOPPING TAMBÉM PODIA TER UM AVATAR?
http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/01/imagem-publicada-uma-personagem-do.html

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

UMA PRECIOSA HISTÓRIA? NÃO, UMA HISTÓRIA DURA


imagem publicada - capa e propaganda do filme Preciosa - uma história de esperança, com a personagem Clairecee Precious Jones, uma adolescente negra, obesa, com um casaco preto, calça jeans,caminhando e às suas costas se desenham asas de borboleta simbolizando sua busca de uma outra vida e da sua libertação das privações. Esta vestindo um casaco preto sobre uma blusa mais fina azul, que reforçam a sua condição de pessoa com obesidade.

O cinema faz parte de algumas vidas. E algumas vidas passam a fazer parte da história do Cinema. O filme Preciosa: uma história de esperança, lançado nessa sexta feira, em pleno momento de alegria carnavalesca é um filme para a história das imagens em movimento. Perguntem o porquê após assistí-lo.

"Este filme é 'duro'", foi a única expressão como resposta/silêncio que pude dar ao sair mais que calado desta experiência com a identificação projetiva provocada pela a não-atriz profissional Gaborey Sibide. Guardem esse nome pois ela já foi indicada para o Globo de Ouro, na mesma noite que a Mamma Mia Meryl Streep e Sandra Bullock. Ela e sua mãe, nesse filme realista, e de roteiro baseado na vida dentro do negro Harlem de 1987, surpreendem por sua mútua dramaticidade. A elas faço minha reverência humilde e agradecida.

Mas o que mais surpreende no filme de Lee Daniels é a rudeza com que as imagens se mantêm, até mesmo na Escola Alternativa - Cada um ensina a cada um.

O mundo de Clarecee Precious (Gaborey Sibide) é rude, e as cenas vão nos levando progressivamente a refletir sobre outra forma de aspereza. A câmera nos dá uns closes que só a telona pode transmitir, por isso é melhor ir ao Cinema e deixar a tela do computador. As seguidas agressões e violentações a que a personagem é submetida refletem uma realidade que tentamos afastar de nossos mundos e vidas.

No mundo de Preciosa não há, para além de seus sonhos, fantasias e imaginário, muita compreensão.
No seu mundo sobra incesto, abuso físico ou sexual, zombaria do corpo diferente, dor, privação cultural, analfabetismo, preconceito, e exclusão. Há, nesse mundo tão 'hard', uma presença importante, tocante para mim, da Síndrome de Down, e mais ainda o já naturalizado preconceito sobre esta condição e diversidade humana.


A primeira filha de Preciosa é denominada de Monga, que ela própria diz, na sua vida dura e nua, ser o diminutivo de "mongolóide". Esta criança como um fruto de incesto e disputa com a figura materna, pelo pai abusador/violentador, se torna apenas um trunfo para receberem dinheiro da pensão da Assistência Social.

Fato que não é distante de histórias realistas que vi, ouvi e acompanhei quando médico, nos anos 80, na, também dura, Baixada Fluminense e seu Esquadrão da Morte, assim como na Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde atendi famílias de pessoas com deficiência. Depois pude constatar, apesar dos anos passados, esta repetição do preconceito e do abuso da deficiência intelectual em relatos e vivências no cuidado de famílias pobres e desfiliadas de Campinas, trabalhando em um Caps III (Centro de Atenção Psicossocial).

Ao interpretar uma mãe quase fascista, quase, pois haverá sua rendenção/confissão humana diante de uma assistente social (Mariah Carey), a atriz Mo'Nique dá um show de interpretação, e, para mim, já merece mais que um Oscar.

Ela consegue demolir a naturalização da mãe perfeita e boa, que no filme só existe em paródia de Sofia Loren, indo na direção da crueza da alma humana, buscando nos porões do inconsciente as mais diferentes manifestações e sintomas. Uma mãe que ancora uma personagem como esta é capaz, como no evento aqui ocorrido há algum tempo no mundo real, de lançar um bebê ao chão (aqui o bebê foi lançado no vidro do carro no Taquaral).


Ela relembra os anciãos de Esparta, no alto do monte Taygetos, lançando os corpos defeituosos e a mentes imperfeitas, ou seja os sujeitos com deficiência, imprestáveis, no ponto de vista bélico, para aquela sociedade grega. Há também e ainda Medéias pós-modernas.

A atriz Mo'Nique me levou ao teatro grego e não apenas ao cinema. Uma bela dupla de mulheres negras, sofridas e intensas, em dueto e duelo. Ambas levando ao espectador a questão da rejeição e da superação desse desejo filicida que dorme nos mais obscuros sotãos das mentes humanas, transculturalmente.

Enfim, para superar o espetáculo da crua e nua vida nua de Preciosa, em tempos de carnavalização da vida, nos resta sonhar, como ela, que vivemos 'vestidos de dourado, palhaços das perdidas ilusões', pois esta preciosa história é para além de dura: é indispensável para que continuemos no BLOCO. O bloco carnavalesco "EU NUM TÔ SOZINHO", pois existem educadoras, como a Rain do filme, que nos dizem firmente: por mais que sua dor e sofrimento sejam intenso- 

ESCREVA, ESCREVA... escrever é preciso, viver é mais impreciso ainda. Vivam e sobrevivam as Preciosas Clarices e seus diários ou blogs que re-existem no mundo.

Vamos fantasiados e fantasiando, juntos, assitir a Preciosa, mais uma vez? e depois...

copyright jorgemarciopereiradeandrade (favor citar a fonte em reprodução, difusão ou multiplicação livre por quaisquer mídias de massa)

Fonte para outra crítica do filme:
PRECIOSA - UMA HISTÓRIA DE ESPERANÇA
- Lee Daniels ( baseado no livro Push de Saffire- 2009)

http://www.omelete.com.br/cine/100025138/Critica__Preciosa___Uma_Historia_de_Esperanca.aspx

*MEDÉIA - (em grego, ΜΗΔΕΙΑ - MĒDEIA ) é uma tragédia grega de Eurípides, datada de 431 a.C. Nessa peça do teatro grego trágico foi apresentado o retrato psicológico de uma mulher carregada de amor e ódio a um só tempo. Medéia representa um novo tipo de personagem na tragédia grega, como esposa repudiada e estrangeira perseguida, ela se rebela contra o mundo que a rodeia, rejeitando conformismo tradicional. Tomada de fúria terrível, mata os filhos que teve com o marido, para vingar-se dele e automodificar-se. É vista como uma das figuras femininas mais impressionantes da dramaturgia universal.
LER EM - http://vidraguas.com.br/wordpress/2007/06/19/um-passeio-pelo-mito-medeia/
InfoAtivo DefNet Nº 4344 - Ano 14
LEIA TAMBÉM NO BLOG sobre CINEMA E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA - Aos meus "COLEGAS" INTOCÁVEIS E INDENPENDENTES - O Cinema Reverencia as Pessoas com Deficiência - http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/08/aos-meus-colegas-intocaveis-e.html

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A MÚSICA QUE EDUCA NÃO DEPENDE SÓ DOS OLHOS


Imagem Publicada - um dedo vidente desliza sobre um texto em Braille, uma partitura musical, à direita, e na outra metade uma mão desliza sobre as teclas de um piano. Foto Agência Fapesp.

Em TEMPOS DE CARNAVALIZAÇÃO DA VIDA... ELA CONTINUA.... VIDA NUA...

Recebi, em pleno Carnaval, duas notícias importantes, ambas tratam da cegueira, mas são incongruentes. Uma eu já difundi, é a defesa de tese de doutorado, de Fabiana Bonilha, uma jovem cega, sobre Musicografia Braille, aprovada dia 10 na UNICAMP. A ela presto a minha homenagem elogiando sua tese: “Do toque ao som: ensino da musicografia Braille como um caminho para a educação musical inclusiva”.

Mas também terei de homenagear uma outra mulher. Uma mulher cega que conseguiu passar em um concurso público, como pedagoga, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul.
Mas ela passou, venceu esta etapa, mas não levou,como dizem popularmente. Ela foi recusada como pedagoga pois, segundo a matéria, "não poderia,sendo cega, corrigir os cadernos" de seus (im) possíveis e invisíveis alunos. Telma é o seu nome, com sobrenome Nantes de Matos, e já está sendo providenciada a sua defesa, pois foi barrada na avaliação médica, após uma sonora risada profissional.

Ao meu colega médico que barrou a Telma envio minha orientação de que urgentemente se atualize. O que é válido para todos os outros profissionais de saúde do País. Já faz mais de 09 anos que a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, a CIF -2001, foi promulgada pela OMS, Ela deveria já ter sido incorporada pelos responsáveis por perícias, avaliações ou reprovações médicas,em especial nos serviços e concursos públicos. É preciso que o Estado, assim como os seus servidores públicos, assuma a sua posição de primeiro a cumprir e fazer valer as mudanças de paradigmas.

O modelo hoje reinvindicado por todos e todas que vivenciam uma ou mais deficiências é o chamado "Modelo Social". Este paradigma vem substituir o modelo biomédico e reabilitador. É um modelo que considera que as causas que geram as deficiências NÃO são de origem religiosas, míticas, e muito menos médicas. Repito o já dito: Deficiências não são Doenças...

É um modelo que aspira potencializar o respeito à dignidade humana, a igualdade de direitos, a não discriminação, a vida independente, e a acessibilidade universal. É o que faz com que uma pessoa cega, quando respeitada as suas diferenças e a sua diversidade funcional, possa estar em igualdade de exercício de funções sociais, quando rompidas as barreiras que o incapacitam, assim como o restante das outras pessoas consideradas videntes.

Ao afirmarmos o modelo social, ao qual incorporo a necessidade de um avanço estético-ético e político, devemos afirmar também que os direitos, em especial os Direitos Humanos, de todos e todas pessoas com deficiência é o cerne de quaisquer legislações e suas aplicações na vida social, como disse hoje cedo em entrevista telefônica para a Rádio Espaço Mulher, de São Paulo.

A música e a educação não são, e nunca foram, por si mesmas criações humanas ou espaços de aprendizagem excludentes, muito pelo contrário. Por isso uma Doutora em Musicografia Braille é tão importante como uma Pedagoga, dentro de uma visão inclusiva. A professora Nantes de Matos nos provará que, recebendo ajudas técnicas e outros auxílios, por exemplo um bom computador, poderá corrigir todos os cadernos e rabiscos de quaisquer alunos, com ou sem deficiência.

Porém, para que isso ocorra a Inclusão escolar não pode ser uma concessão. Deve ser um processo intrinsicamente ligado às políticas públicas , assim como um exercício de direitos. A educação e a música, sem discriminação ou exclusão, ao se superar a desfiliação social, tornam-se direitos humanos indispensáveis.

Eu escrevi este texto sem ficar todo o tempo olhando para o teclado. Assim como me deixei emocionar pela música de Joaquín Rodrigo, em seu Concerto de Aranjuez, com as cordas de um violão vibrante de Christopher Parkening me provocando. Precisava ouvir e sentir-me afetado, principalmente pelo belíssimo Adagio, tão popular como tema de milhares de propagandas que nos cegam e iludem para o máximo de consumo.

Mas o que me levou a este músico, pianista e compositor? É que Joaquín Rodrigo Vidre era um homem cego desde a mais tenra idade. É o compositor de uma das principais peças de música clássica mais executadas no Ocidente vidente. Ele é para os meus ouvidos e meu coração uma música que não depende só dos olhos, daí ter tentado uma escrita automática saindo direto de meu âmago, sem a vigilância do olhar.

Experimentem a ponta de seus dedos, sensibilizem-se com a possibilidade de tratar um teclado como se tocassem, incorporando um pouco de Joaquin Rodrigo, um piano imaginário. Um piano que a cada tecla tocada gerasse um som esclarecedor para os ouvidos/mentes dos políticos, magistrados, promotores, médicos e demais encarregados de reconhecer o direito de Telma, assim como o de Fabiana, de serem propagadoras de letras, partituras ou músicas que nos transformem em eternos aprendizes.

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2010/2011 (favor citar a fonte em reprodução,difusão ou multiplicação livre deste texto)

Para reflexão com nossas mentes em abertura, Alegro ma non Troppo, recomendo o trecho da matéria abaixo:
Segundo Telma Nantes, quando teve que ser entrevistada pela equipe multidisciplinar da Secretaria de Educação, foi surpreendida pelas risadas de um médico que teria dito: “Como você pensa que vai ensinar desse jeito?”.

“Foi um ato de discriminação devido o preconceito da equipe multiprofissional com pessoa de deficiência”.

“Na hora eu fiquei quieta por medo de não ser nomeada. Eu sei que o prefeito não sabe o que acontece, mas todo professor tem um auxiliar. Eu que crie as minhas metodologias ou seja adequada a um espaço porque tenho certeza que tenho muito o que contribuir ...


Fontes:

Sobre a Pedagoga Telma - Instituto ajuda a cegos construírem a sua autonomia http://www.jfms.gov.br/news.htm?id=2679

Professora Cega passa em Concurso mas é Barrada: http://www.perolanews.com.br/?nav=noticia&n=1852

http://noticias.r7.com/vestibular-e-concursos/noticias/pedagoga-passa-em-concurso-mas-nao-consegue-assumir-a-vaga-por-ser-cega-em-campo-grande-ms-20100212.html

Sobre a Profª Drª Fabiana Bonilha http://www.todosnos.unicamp.br:8080/lab/partituras-em-braille

Partituras em Braille http://www.agencia.fapesp.br/materia/11759/partituras-em-braille.htm

PARA VER, OUVIR OU APENAS SE ENCANTAR - Concerto de Aranjuez - http://www.youtube.com/watch?v=e3_sML4prLE

PS - EM BREVE TRATAREI DA RESPOSTA QUE FOI DADA PELO SHOPPING D. PEDRO.... Aguardem. O Shopping não tem um Avatar.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A MATEMÁTICA CRUENTA - Um povo amputado

Imagem publicada: Foto de Samira Makhmalbaf, jovem cineasta iraniana, para o filme de seu pai, Mohsen Makhmalbaf, O CAMINHO PARA KANDAHAR, exibido no Brasil em 2001, com muitos homens afegãos amputados, com suas muletas, correndo em direção a um paraquedas lançado pela Cruz Vermelha, com 'pernas de pau', ou seja próteses rudimentares, para esta multidão de mutilados pelas minas terrestres nas guerras do Afeganistão.

Minha filha, de 09 anos, levou uma calculadora para a escola. Recentemente eu a usara para calcular dívidas e imposturas, e ela, agora, precisa aprender a matemática e outras operações realistas. Eu continuarei calculando, como é de costume, o que devo, só que agora pedirei a calculadora emprestada a ela. Minha relação com os números nunca foi muito fácil, sempre preferi outras matérias. Portanto, os cálculos que pretendo fazer me preocupam...

Ela voltou a me solicitar um uso da máquina de calcular que eu não tinha aprendido. Era para somar 05 + 03 = = = = =, e no seu caderno de escola tinha a pergunta do que resultava dessa soma, e mais ainda, o que significava? intrigou-me os iguais = em seguida. Fiquei matutando e ela me ensinou, dizendo que aprendera que ao somar os números e depois clicar no símbolo igual, na sequência descrita, teríamos o número 20.

Ficou-me, então, a pergunta o que significa isso aplicado à Vida? Apenas soma ou multiplicação?. Ao ler hoje que a média de AMPUTAÇÕES no HAITI, por dia, era de 40 a 50 cirurgias realizadas nos hospitais de emergência pós-terremoto, havendo há alguns dias até 100 amputações/dia, segundo relato da Radio ONU  pensei novamente na matemática e na calculadora. 

E, triste, fiz a aplicação de uma matemática sinistra e terrificante. Se somarmos a cada amputação o mais + de uma outra forma de incapacidade ou deficiência, teremos uma chamada PROGRESSÃO GEOMÉTRICA do número de seres humanos a serem chamados, em breve, de pessoas com deficiência por lá.

Multipliquem os dias do ano de 2010, que ainda restam, 365 - 35 = 330 dias, por cada dia de mais amputações e novos mutilados. Ainda bem que é só uma Matemática 'cruenta". Mas se aplicássemos a regra da calculadora, hoje aprendida, teríamos milhares de sujeitos com deficiência em 31 de dezembro de 2010. 

Deixo para as máquinas de de singularização, que devemos construir, o resultado dessa conta. Deixo para a reflexão de cada um o que acontecerá com os meninos e meninas que, se não forem amputados, tornar-se-ão 'emocionalmente amputados' e traumatizados em meio à multidão dos sem-pernas.

Fiz na calculadora uma aplicação deste modelo matemático e cheguei a uma possível resposta: em 31 de dezembro de 2010 poderíamos contar e enumerar uma população de, aproximadamente, 825.000 (OITOCENTOS E VINTE E CINCO MIL) PESSOAS COM ALGUMA FORMA DE LIMITAÇÃO DE FUNCIONALIDADE OU INCAPACIDADE, se epidemiologicamente estiverem sendo registrados todos os mutilados do terremoto.

Isso se aplicarmos a CIF (Classificação Internacional de Incapacidade, Funcionalidade e Saúde), que considera que: "A funcionalidade e incapacidade de uma pessoa são concebidas como uma interação dinâmica entre os estados de saúde (doenças, perturbações, lesões, etc.) e os fatores contextuais (fatores ambientais e pessoais) (CIF, OMS, 2001). Para esta classificação uma incapacidade não é um atributo da pessoa, mas sim um conjunto complexo de condições que resultam da interação pessoa-meio".

 Não se simplificando a apenas o que está sendo gerado POR UMA OUTRA FORMA DE OPERAÇÃO, no momento numérica e de caráter biomédico: A AMPUTAÇÃO DE MEMBROS (SEJAM BRAÇOS, PERNAS OU ENTÃO SIMPLIFICANDO APENAS AS MÃOS/DEDOS) NO HAITI.

Outro dia estava jantando com minhas filhas, Isadora e Yasmin, e pensava com os meus botões sobre o mundo que elas vivem e o que estamos deixando para os nossos filhos e filhas como futuro planetário. Me dei conta de que olhava para um grão de arroz que estava fora do meu prato. Era apenas um grão de arroz. 

Me veio imediatamente a imagem do que vira à tarde na televisão. Eram haitianos disputando com pedaços de paus alguma forma de comida. Ainda se completava com a outra imagem que me tocou estes dias: os paraquedas norte-americanos lançando comida presa a eles, e, em seguida, milhares de haitianos correndo para pegar a preciosa carga lançada dos céus...

Agora se lançam suprimentos, mas houve um tempo em que os paraquedas traziam pernas de pau. Um tempo que quem sabe ainda está acontecendo, com o despejamento aéreo de próteses rudimentares para mutilados por minas terrestres no Afeganistão. Esta cena foi muito bem retratada no filme no Caminho para KANDAHAR, de Mohsen Makmalbaf, merecedor de uma atenta crítica e atenção no Brasil. 

Um filme que traz a visão de um país arrasado pelas repetidas invasões e guerras ali realizadas. É o olhar de uma mulher, Neloper Pazira, jornalista e atriz que passeia e registra, atrás da burca, em busca de uma humanização dos estragos físicos e éticos a que o Afeganistão foi submetido no regime Taleban. Esse olhar debaixo daquela vestimenta repressiva tem o sentido humanitário do cineasta acerca da fome e dos terrores daquele povo, onde a mutilação de membros virou rotina e naturalização para o resto do mundo.

Minha permanência no tema Haiti é na esperança de que não tenhamos a repetição da cena de Kandahar. E que tenhamos, o mundo espectador, um maior engajamento na reabilitação de todos haitianos que se tornarem necessitados de próteses, órteses e demais ajudas técnicas em suas deficiências. 

Espero continuar olhando para o futuro desse povo e nação com respeito e afeto. E, sonho que não haja um só grão de arroz, como pensei naquele jantar familiar, sendo desperdiçado dos pratos de comida globalizados em reverência à fome e a miséria que lá permanecem provocando as massas sobreviventes, e podem continuar intensas. Escolheremos outros CAMINHOS?

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2010/2021 - ad infinitum, todos os direitos reservados (favor citar a fonte para a livre difusão e multiplicação por quaisquer meios de comunicação de massa)
( publicado e difundido peloInfoAtivo DefNet -Nº 4339 - fevereiro de 2010 -Ano 14.)

FONTES:
Mohsen Makhmalbaf -
https://www.makhmalbaf.com/persons.php?p=4
https://www.makhmalbaf.com/gallery.php?g=32
https://publifolha.folha.com.br/catalogo/livros/135570/

Sobre o trabalho com socorro a vítimas do Terremoto pela HANDICAP INTERNATIONAL ver:
https://www.handicap-international.fr/

Milhares de pacientes amputados são prioridade da OMS no Haiti
26/01/2010 http://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/detail/175703.html

De acordo com a agência da ONU, alguns hospitais chegam a realizar 100 amputações por dia; cuidados especiais são necessários para evitar infecções.
Julia Borba, da Rádio ONU em Nova York*

A Organização Mundial da Saúde divulgou nesta terça-feira que está priorizando os cuidados com pacientes amputados, conforme decisão do governo do Haiti. Até então, as cirurgias de emergência eram o foco dos atendimentos hospitalares.O porta-voz da OMS, Paul Garwood, informou que milhares de haitianos sofreram a retirada de algum membro. Alguns postos de atendimento chegam a realizar de 30 a 100 amputações por dia.

Cuidados
Segundo Paul Garwood, também há urgência no tratamento pós-operatório, para evitar as infecções.O objetivo é dar atenção e tratamento fisioterápico aos pacientes com lesões traumáticas e amputações, para que a recuperação deles seja mais rápida.

A OMS aponta ainda a reabilitação adequada como peça fundamental para evitar deficiências a longo prazo, e assim, reduzir as consequências econômicas para as famílias.

A agência da ONU afirma que 48 das 59 instituições hospitalares do Haiti estão funcionando, mas encontram dificuldade de suprir a demanda.
*Apresentação: Leda Letra, da Rádio ONU em Nova York.

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