quinta-feira, 26 de maio de 2011

O MELHOR É A JAULA OU O GALINHEIRO? Deficientes intelectuais e o seu encarceramento


imagem publicada - a foto publicada no Jornal PB Agora, de um homem dentro de um galinheiro, onde foi mantido isolado, por sua família, ele foi diagnósticado, aos 35 anos como um ''deficiente mental'' em um Caps (Centro de Atenção Psicossocial).
Continuo aprendendo com a dor. Melhor ainda, aprendendo com a minha e a dos outros. Hoje, em uma manhã ensolarada, após minha fisioterapia, onde a dor cede um pouco e começo a tentar a saída desse aprisionamento corporal, ao buscar notícias sobre pessoas com deficiência me vi diante da dor maior de um deficiente intelectual brasileiro.

Hoje, 26 de maio de 2011, li esta notícia: "Deficiente que vivia em galinheiro é encaminhado à Funad, em João Pessoa", abaixo descrita, sinto, tristemente, a manutenção de métodos cruentos ainda estão na vida de pessoas com deficiência. O pior é que nas jaulas ou nos galinheiros serão mantidos os que ''por serem retardados'', tanto em direitos como em suas capacidades de autodefesa, podem ser motivo de isolamento social. Nossas sociedades, do campo até as metrópoles, os isolam há séculos. 


As formas de aprisionamento dos chamados deficientes "mentais", a partir de uma participação ativa da Medicina, foram sendo naturalizadas e banalizadas. Para o bem da sociedade, com seus princípios eugênicos sutilmente disfarçados, o melhor era e é afastá-los, tanto em casa com no espaço público, do convívio social. 

Eles são um risco de periculosidade? ou geram, há séculos, a necessidade de um "cuidado", chamado de internação, nascido no século XIX, antecipado pela biopolítica no século XVIII, onde as deformidades morais, físicas ou mentais precisavam da sua hospitalização?

A concepção da deficiência, em paralelo à da doença mental, veio constituir um paradoxo: o suposto amor ''caridoso'' por elas aumenta na mesma proporção do distanciamento desses objetos. Talvez seja melhor chamá-los de ''abjetos''. A exclusão dos desviantes da norma construiu os alicerces do que, em pleno século XXI, demonstra a permanência dos estigmas e estereótipos para estes sujeitos.

O Roberto, da Paraíba, hoje ''salvo'' do galinheiro, após 35 anos é tão ''limitado'', pela privação e pelos maus tratos, que primeiro o levam para cuidados psiquiátricos. Em seguida temos a concretização de um novo espaço para sua vida: a reabilitação que nunca recebeu. O que indago, hoje, é se a ele também serão destinados os "cuidados", para além do modelo biomédico, com seus direitos humanos garantidos pela Convenção?

Minha interrogação é, com a certeza de uma resposta institucional, de que há talvez um lugar ou espaço melhor para os milhares de Robertos, Sebastianas, Zaqueus, Ruis (em Portugal), Brandons (na Holanda) e outros, mundo a fora, que ainda não tiveram seus nomes publicados na mídia. Eles e elas experimentaram o resgate dos cárceres familiares, porém passaram depois para novos modos de tratamento determinados pela Justiça. Por isso tenho de insistir na pergunta: o melhor é a jaula ou o galinheiro?


OU, O MELHOR É A DEMOLIÇÃO DE NOSSOS PRECONCEITOS ENRAIZADOS NO MAIS PROFUNDO DOS NOSSOS CORPOS E MENTES, INDIVIDUAIS E COLETIVOS, QUE SE ALIMENTARAM E SE ALIMENTAM DOS PRECONCEITOS RACISTAS, EUGENISTAS E ''DEFICIENTEFÓBICOS''?

Aliás, todas as fobias se alimentam de movimentos contra-fóbicos. Todos os autoritários, fundamentalistas ou extremistas, políticos ou religiosos, gostam dessa posição e desse Gozo. Há, para além do falso amor pelas anormalidades, um olhar piedoso ou religioso que diz que estamos protegendo aqueles que nos pertubam com suas diferenças e outras formas de ser e existir. Isolar os ''monstros'', que também nos habitam, pode ser uma das raízes de nossos atuais modos de ser: xenófobos, homofóbicos, racistas, e, infelizmente ainda, eugenistas.

Espero que a nossa Presidenta Dilma compreenda a necessidade de outro modo de lidar com os preconceitos. Hoje ficou ,também, claro que, diante das pressões fundamentalistas e religiosas, podemos continuar mantendo o bullying com pessoas homoeróticas, com a cassação do kit anti-homofobia.


Lembra uma pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo que constatou: "A escolaridade é um dos fatores que mais influenciam o nível de preconceito da população em relação a homossexuais: quanto mais anos de estudo, maior é a aceitação do indivíduo em relação à diversidade sexual...". A educação inclusiva é, então, a solução?

Aos amigos da Funad envio meu desejo de que possamos compreender o lugar que o Roberto Félix de Meireles ocupa, historicamente, na mudança que temos de empreender na construção e consolidação do que chamamos de uma Sociedade Inclusiva. Temos de levar esta "inclusão sem preconceitos, respeitando as diferenças e singularidades" dos Robertos "deficientes" para todos os brejos, sertões, confins e Planaltos. Talvez, primeiramente, ao Planalto central, lá em Brasília...

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2011-2020 (favor citar a fonte em republicações livres na Internet e outros meios de comunicação de massa)



Deficiente que vivia em galinheiro é encaminhado à Funad em JP



"O deficiente mental Roberto Félix de Meireles, de 35 anos, que era mantido trancado em um galinheiro pela família na zona Rural do município de Pilõezinhos, no Brejo paraibano, recebeu pela primeira vez em anos atendimento especializado no Centro de Atendimento Psicossocial - Caps do município.
De acordo com informações do Portal Correio, o paciente teve a medicação modificada e foi encaminhado para ser atendido na Fundação de Apoio a pessoa com Deficiência - Funad em João Pessoa.
A família vem recebendo o apoio da Prefeitura de Pilõezinhos que irá providenciar o transporte do paciente para a Capital.
O médico que atendeu Roberto disse que a família o estava medicando por conta própria e diagnosticou uma limitação severa no que diz respeito à comunicação e ao relacionamento social".
http://www.pbagora.com.br/conteudo.php?id=20110525123424&cat=paraiba&keys=deficiente-vivia-galinheiro-encaminhado-funad-jp


Escolaridade impacta nível de preconceito contra homossexual - http://www.msnoticias.com.br/?p=ler&id=65154

LEIA TAMBÉM NO BLOG:
Uma Violência Cotidiana e Banal? A Violação de Direitos Humanos de Crianças com Deficiência - https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/06/uma-violencia-cotidiana-violacao-de.html

Deficientes Intelectuais: encarcerar é a solução final? - https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/01/deficientes-intelectuais-encarcerar-e.html

Inclusão/Exclusão - duas faces da mesma moeda deficitária? - https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/02/inclusaoexclusao-duas-faces-da-mesma.html

Vulneração e Mídia no cotidiano da deficiências - https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/04/vulneracao-e-midia-no-cotidiano-das.html


O Surdo, o Cego e o Elefante Branco -

 https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/05/o-surdo-o-cego-e-o-elefante-branco.html

6 comentários:

  1. Oi Jorge Márcio,
    Sinti muita tristeza pelo Roberto, pela sua dor não expressada,pela sua individualidade não respeitada.
    Pobre Roberto perdido e só em si mesmo.
    Rotulado foi excluído de viver em um lar aquecido
    e rodeado por pessoas.
    Pobre Roberto que só recebe tratamento aos 35 anos!
    Quanta coisa perdida no seu limitado mundo?
    Como chamarei isto?
    Seriam os cuidadores mais doentes que ele?
    Ou nossa sociedade falida não seria a causadora de tudo?
    Me sinto perplexa com esta noticia. Me sinto impotente, porque devem existir outros Robertos.
    Quem vai pagar este prejuízo mental?
    Oh Meu Deus dai-me forças.......
    Ray

    ResponderExcluir
  2. Cara Ray
    agradeço por com partilhar de minha "dor" vital e existencial diante desse cárcere e exclusão de um ser humano... que espero tenha sido assim tratado pela total falta de conhecimentos e pela dureza que Vida impôs a sua família lá na Paraíba...mas lamentavelmente há muitos outros nessas condições, e muitos outros ainda serão revelados ao mundo globalizado e cada dia mais insensível às singularidades das pessoas com deficiencia intelectual que são pobres ou miseráveis... um abraçocarinhoso

    ResponderExcluir
  3. Caro Jorge,

    assim como você, também tenho aprendido muito com a dor. Da mesma forma, compartilho a tristeza, indignação e revolta que a situação real que você nos tráz provoca. E o pior é que devem existir outros Robertos, no Brasil e no mundo. Ou, dizendo de forma diferente, o pior não é que existam outros Robertos, mas que continue havendo preconceito, desinformação e intolerância.
    Um abraço,
    Vinicius.

    ResponderExcluir
  4. Caro amigo Vinicius e os 3 temas
    é preciso gente como você e eu que experimentamos no próprio corpo a dor física eqou psíquica, nos limites e limitações de cada um, para que possamos, empaticamente combater os três temas que citou: o preconceito, a desinformação e a intolerância. Vamos aos 3 com toda gana e tentar pela escrita a sua erradicação... um doceabraço

    ResponderExcluir
  5. é uma triste história de falta de conhecimento da familia deste rapaz. Nas cidades do interior, ainda exitem casos em que os familiares não tendo outra forma, se veem obrigados a isso. Já soube de casos em pessoas eram presas em quartos-celas ou amarrados em troncos...é lamentável, desumano, mas real.
    :(

    ResponderExcluir
  6. Como transformar?Como educar esta dor coletiva para que ela vire potência,vida?
    Sigo matutando e com dor

    ResponderExcluir