sexta-feira, 8 de março de 2013

MULHERES, DIREITOS HUMANOS HOJE E SUA EXCLUSÃO, em tempos pastorais...


Imagem publicada - uma fotografia em preto & branco de minha autoria. Eu a fiz em uma esquina do centro de Campinas, perto de uma Faculdade de Direito, onde se lê como aviso de trânsito: PARE.  E, sendo colada, por algum cidadão ou cidadã, logo abaixo, as palavras: “de ser indiferente”. Um apelo, criativo, necessário e urgente: PARE DE SER INDIFERENTE.

“Trespasse as montanhas, em vez de escalá-las, escave a terra em vez de aplainá-la, abra buracos no espaço em vez de mantê-lo uniforme, transforme a Terra em um queijo suíço”. Gilles Deleuze e Félix Guattari (Mil Platôs – Mille Plateaux)

Há uma indiferença massificada para a afirmação de que somos des-iguais, quando se reflete sobre as condições da maioria das mulheres e seus Direitos Humanos. Temos, porém de reconhecer que nessa invenção do Século XX: os Direitos Humanos, ainda não aprendemos muito sobre o feminino e suas multiplicidades. Mas ficamos sabendo, impotentes, de suas violações e vulnerações.

Estive forçado pelas minhas limitações humanas, assim como por um triste olhar sobre como somos, como estamos e para onde caminhamos, in-diferentes, afastado do exercício desta necessidade e urgência de escrever.

Somente a minha própria re-leitura, olhando para o Feminino em nós, relembrando que o ÚTERO É O MUNDO E O MUNDO É UM ÚTERO, é que decidi me forçar a “pena” árdua de usar a pena, como diriam os que se escreviam as cartas de papel e tinta há alguns séculos atrás.

Os escritos indignados nem sempre trazem a força do que desejamos colocar ou expressar através deles.

Hoje, 08 de março de 2013, estamos vendo como é possível a “venda”, sob o modelo “utilitarista’’ do mundo capitalístico, aquilo que também pareceria invendável: os direitos humanos.

Uma venda que também pode ser dita como a mesma que impede a Justiça de enxergar claramente e “direito” os nossos direitos sendo aviltados... A mesma Senhora Vetusta que, por força desses vedamentos e pelo andar da carruagem da História do mundo, caminha a passos rápidos em direções mais destras do que sinistras.

Um pastor, que não é de rebanhos não dóceis, foi levado como oferta política para a condução dos Direitos Humanos e das MINORIAS, no Planalto Central. As Minorias, aquelas que se confundem com as marginalizações, foram excluídas em uma “eleição” a portas fechadas.

 E, para dentro de um espaço dito democrático, mesmo que com as portas e os ouvido fechados aos protestos, sob contenção, do lado de fora, o Deputado Federal Marco Feliciano foi “ungido” como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias.

 Lá fora gritavam deitados no chão, os expulsos brasileiros e brasileiras: - NÃO PODEMOS CAIR NESSA CONTRADIÇÃO ESTATAL; UM RACISTA, UM HOMOFÓBICO NÃO TEM COMO SE DIZER E AFIMAR  UM DEFENSOR DESSES DIREITOS, AGORA, POR ELE BEM- DITOS: HUMANOS.  Assistimos a mais uma encenação, no ventre dos Poderes, forjada evangélica e macro politicamente

E, caros amigos e amigas, que me desculpem, se não entendi. O Pastor me/nos pede uma chance para provar sua capacidade de nos defender?

Estou nesses dias Marco Felicianos de Cristandades Falsas, embora descontente e indignado, refletindo e repensando como homenagear as mulheres.

O calor gerado pelas manifestações contrárias a este pastor, que não é de cabras não cegas, me fez desejar que a DOÇURA OU A FORÇA FÊMEA, incluída em nossos corpos e mentes, me possuíssem e reinstalassem meu desejo de outro mundo possível. Um mundo da afirmação de nossos devires-mulher.

Ficamos todos e todas, muito desiludidos? Talvez sim, no primeiro choque com a notícia. E, após uma reflexão das minorias como potências, NÃO. Somos cientes de que as alianças macropolíticas encenadas em nossas CÂMARAS, das municipais até as federais, sempre foram urdidas para a manutenção de uma ORDEM e de um PROGRESSO.

 Há e houve, entretanto, em nossa história democrática as criações de brechas, rachaduras moleculares e os rizomas, que espalhando indignação ou conscientização geram e geraram os pequenos furos sociais, as linhas de fuga, por onde a liberdade se instalou e pode ser vivenciada.

O dia 08 rememora as mulheres que cruzaram seus braços e decretaram que não mais iriam tecer ou fiar. Foi há mais de um século e meio, em Nova Iorque, na busca da sonhada igualdade de condições de trabalho e das horas de fiação sob o comando de homens.

As mulheres, com sua força para fiarem, tecerem e, como as Penélopes, desfazerem seus próprios tecidos, inclusive os mais fecundos de seus úteros, foram e são também as protagonistas políticas dessas re-evoluções nas quais nos prendemos e nos soltamos.

Hoje são elas, como vi recentemente no campo da Medicina, que passam a ser o a “maioria”. Porém permanecem, para além de sua crônica desqualificação trabalhista e profissional, alguns estigmas que nos fizeram e ainda fazem torná-las ainda bruxas ou feiticeiras.  Hoje inventamos fogueiras sutis e menos visíveis do que na Inquisição para “queimar” suas diferenças.

Os tempos digitais não descobriram o seu potencial feminino não analógico. Ainda somos mecânicos com elas. Ainda as violentamos em muitos países, em diferentes culturas, mas com as mesmas castrações e esterilizações.

Ainda, como Freud, em 1933, nos surpreendemos com as MULHERES e suas capacidades, para além da tecelagem de um tapete ou malha, feita por Anna Freud, sua filha-discípula e solteirona.  Segundo Sadie Plant: “Sigmund Freud fez a tentativa final de solucionar o enigma da feminilidade...”. 

Ele escreveu “que as mulheres só deram umas poucas contribuições às invenções e descobertas da história da civilização...”. Porém, foi uma de suas analisandas, a analista Marie Bonaparte, que lhe salvou a pele diante do nazi-fascismo a peso de ouro de Napoleão Bonaparte.

Como diriam Guattari e Deleuze, o pai da Psicanálise se manteve apenas preso a um “olhar edipiano”, reducionista e até ridículo sobre as mulheres, inclusive as que formavam os primordiais círculos psicanalíticos. Mas o doutor Freud era do Século XIX.

As mulheres, diriam os dois anti-edípicos e visionários pensadores franceses, são muito mais rizomáticas, relvas que se espalham, do que árvores com uma única e sedentária raiz fixada ao chão, masculino e machista. São Gaia, são Terra.

 “Um rizoma não tem começo nem fim; está sempre no meio, entre coisas”. As relvas, as epífitas, as samambaias e os bambus, que não respeitam territórios fixos, não têm raízes, mas rizomas.

Podem crescer e se multiplicar subterraneamente, assim agiram Emma Goldman, Rosa de Luxemburgo, Zuzu Angel, Sonia Moraes Angel, e muitas outras guerreiras ou revolucionárias. São, foram e serão sempre “subversivas”.

 Elas estão mais próximas das Folhas das Folhas da Relva do poeta Walt Whitman, que em sua orientação sexual divergente já as elogiava e reconhecia como as dobras das quais, desdobradas, vinham e virão nascer os grandes homens.

Nascemos delas, delas ainda, todos e todas, descenderemos. E não será um processo de serialização por reprodução assistida em laboratório que as descartarão em futuro próximo. O seu útero ainda é sua maior, inigualável e insubstituível força. Até mesmo quando tentamos castrá-lo, mesmo que virtualmente.

Por isso, temos de buscar essas Mulheres Digitais e Mãe-trix que nos superarão para o futuro. Isso se não forem reprimidas, violentadas, condicionadas e aprisionadas em nossos modelos binários e binarizantes de macho e fêmea.

O Pastor ainda funciona nessa visão estreita e preconceituosa – homem é homem, índio é índio, negro é negro, mas os homo-sexuais não são e serão além de coisas aberrantes e anormais, também coisas demoníacas...

Como algumas mulheres. E o casamento entre diferenças pode ser o fim da humanidade. Para impedir essas aberrações só a família, com a mulher como propriedade do homem, pode combater e reprimir esses desviantes ou diferentes seres.

Somos e continuaremos sendo, humanamente e demasiado, muito além das limitações a que nossos séculos de doutrinações, sejam políticas, ideológicas, religiosas ou mesmo científicas, tornaram redutíveis às nossas superfícies biológicas e sexuais.

Não podemos esquecer, por Deleuze e Guattari, que o Estado e seus mecanismos de controle biopolítico agem por conversão dos fluxos moleculares e desinstitucionalizadores em segmentos molares, novas instituições.

Portanto, não estranhemos que entreguem os Direitos Humanos para quem os viola. É a reterritorialização estatal de nossos potenciais e desejos de revoluções micropolíticas e moleculares. Os discursos sobre estes direitos não mais os efetivam, apesar de serem interdependentes, sem ativa participação das chamadas minorias.

A maior profundidade que podemos atingir não passa de nosso maior órgão do corpo humano: a pele. Por isso devemos combater, todos os dias, essas pregações de cunhos fundamentalistas e de gênero.

Somos múltiplos, como as mulheres, somos plurais e podemos ser muitos e muitos Outros em apenas um de nós mesmos. O poeta Pessoa não me deixa omitir ou negar.

E, docemente, peço que não reduzam esta afirmação ao seu cunho apenas de prosa ou poesia, pois é sim “poesis”.

Afirmemos o sentido de poesis como geração, ou melhor, gestação, de muitas formas de Vida, para além da visão de Vidas Nuas. Façamos os resgates que o Feminino Plural deve tomar em suas mãos e corpos para que a trans-formação de nosso mundo continue em marcha e evoluindo. O Futuro está nas mãos e corpos das filhas, das filhas das filhas de minhas filhas...

Destas que herdarão o que semearmos agora, seja em direitos ou em exclusões e miséria, é que devemos esperar, para além do modelo reality-show da Sociedade do Espetáculo, a construção de outra “gramática civil”, outra indispensável liberdade e cidadania. Outros caminhos, outras veredas e cartografias do viver e re-existir.

Copyright/left, a destra e a sinistra, jorgemarciopereiradeandrade 2013=2014 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação de massa)

LEITURAS INDICADAS NO/PARA ALÉM DO TEXTO E DO CONTEXTO –

MIL PLATÔS  Capitalismo e Esquizofrenia - Gilles Deleuze & Félix Guattari – Editora 34, Rio de Janeiro, RJ, 1995-1997.

MULHER DIGITAL – O FEMININO E AS NOVAS TECNOLOGIAS – Sadie Plant, Editora Rosa dos Ventos, Rio de Janeiro, RJ, 1999.

LEIA(m) TAMBÉM NO BLOG –

OS DES(Z) MANDAMENTOS DO CORPO FEMININO http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2015/03/os-desz-mandamentos-do-corpo-feminino.html

O MARTELO NAS BRUXAS – COMO “QUEIMAR”, HOJE, AS DIFERENÇAS FEMININAS?

MULHERES SANGUE E VIDA, PARA ALÉM DE SUA EXCLUSÃO HISTÓRICA.

TODO ÚTERO É UM MUNDO.

EUGENIA, COMO REALIZAR A CASTRAÇÃO E ESTERILIZAÇÃO DE MULHERES E HOMENS COM DEFICIÊNCIA?

5 comentários:

  1. A violação de direitos impulsiona à consciência do incômodo pelos resultados vis, em escolhas avultantes, violentadoras de direitos humanos, transgredidos por pessoas que não só discriminam, mas transgridem o que pode ser tratado com dignidade... Ainda bem que a letargia do silêncio e do medo não afetou sua poesis e através dela nos trouxe reflexões tão importantes!!! Sigo admirando sua coragem e resistência!!

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  2. Parabéns por mais um texto tão rico em humanidade!

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  3. Texto primoroso, necessário ser lido e digerido por mulheres e homens brasileiros dignos! Pois, justamente, em pleno Século XXI, nesse momento histórico o machismo, os preconceitos estigmatizam, deturpam, violentam, humilham, segregam as mulheres brasileiras. O Brasil retrocede com governantes que extorquiram o poder afirmam com suas atitudes que não querem mulheres na política, ocupando cargos no governo!

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  4. A sensibilidade sempre nos presentea com momentos que vão além das palavras. Em pleno 2016 é lamentável ver tanta falta de empatia com acontecimentos que chocam a humanidade e não dá nem para falar que sentimos a dor do outro, pois dor eu penso que não dá para mediir. Grata Jorge por proporcionar além da reflexão.

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  5. Que bom que existem pessoas inteligentes, sensíveis, estudiosas, solidárias com os que sofrem, discriminados pelos preconceitos! Obrigada Jorge!

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