terça-feira, 29 de dezembro de 2009

O AMBIENTE EXIGE RESPEITO

IMAGEM PUBLICADA - Uma montagem exibida em matéria, na Internet, sobre a recente COP 15, a Conferência do Clima, com uma imagem da Terra com um halo amarelo, que nos lembra o Sol, com desaparecimento de seu tradicional azul, com manchas amarelas e alaranjadas, simbolizando a situação do aquecimento global e com uma figura humana cabisbaixa olhando para esse painel e panorama do futuro possível de todos nós..., publicada em matéria jornalística sobre o fracasso da Conferência em portal 

"A Terra, na verdade, nos fala em termos de forças, de ligações e de interações, o que basta para fazer um contrato. Cada um dos parceiros em simbiose deve, de direito, a vida ao outro, sob pena de morte. Tudo isto permaneceria letra morta se não se inventasse um homem político..." ( Michel Serres - O Contrato Natural)

O filósofo francês Michel Serres escreveu este livro em 1990. Passaram-se 20 anos e ainda não inventamos um novo homem político, ou seja um novo homem político-estético e ético. O livro Contrato Natural tem sido minha leitura de cabeceira, desde do encontro e representação espetacular sobre mudanças climáticas da Terra em Copenhague.

Aliás o tema já se esgotou na mídia, como bem nos interessa na Sociedade do Espetáculo, onde nossos representantes políticos cada dia mais se aprimoram nessa arte: o mise-en-scène, o palco/palanque hipermidiatizado da macropolítica . Tudo tem sua efemeridade garantida, e o assunto do momento pode ser apenas mais uma catástrofe, nevasca, tornado, furacão, enchente ou devastação florestal, quem sabe outro tsunami, ou mais uma campanha eleitoral .

Quando pensei o título desta mensagem de fim de ano, como tentativa de manter nossas antenas críticas ligadas, me lembrei de um antigo samba: " Moço olha o vexame, o Ambiente exige respeito... pelos estatutos da nossa gafieira, dance a noite inteira mas dance direito...", que foi lançado em 1954, por Billy Blanco. Talvez, por essa longevidade tão próxima da minha, muitos não o conheçam.

A lembrança do samba e da sua estrofe é a afirmação de que 'qualquer ambiente', ou melhor "todos os meios ambientes" exigem respeito. E, diante da devastação, exploração e poluição que continuamos realizando, apesar de todos os espasmos e gritos do que chamamos Natureza, temos urgência de formular estatutos para que a dança da vida possa continuar no salão do planeta Gaia.

A gafieira, local de danças populares, onde os mais humildes tinham o direito ao lazer e prazer da música, criou, para o deleite ser democrático e sempre alegre, algumas regras. Lá 'NÃO podia', segundo o 'artigo 120... nem subir nas paredes... nem dançar de pé pró ar'. 

Mas se olharmos para nossos tempos atuais, onde as gafieiras minguam, e a dança não é mais de salão, de dois parceiros fiéis, mas sim de multidão, andamos sem estatutos que valham para evitar os prejuízos de hoje que afetarão, sem dúvida, os pés-de-valsa do amanhã.

Colocamos nossos pés massificantes esmagando qualquer um, só importando ir atrás de um falso trio elétrico.

Haverá um futuro baile, onde cara a cara dançaremos com a Terra, ou 'já dançamos', como dizem em gíria, quando nos violentam ou assaltam? Aliás quem são os mais velhos assaltantes e violentadores da Gaia, a chamada MÃE-TERRA?

O que assistimos, como espectadores, na COP 15, ao meu ver, caiu na decepção, principalmente quando os chamados líderes dos países, ou seja os presidentes, como Lula, apareceram no cenário apenas para seus discursos, onde nenhum deles tinha a fala fora da ordem. Nenhum deles lembrou de fazer uma referência a um novo contrato, pacto ou aliança com o próprio motivo desta conferência: a Terra. Lá só estavam nossos representantes mundiais, e nenhum me pareceu interessado em não deixar esta oportunidade virar mais uma "letra morta".

Tudo poderia ser resumido em uma frase dita há 07 (sete) dias atrás por nosso Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc : "Foi muita gente olhando para o seu próprio umbigo e um clima de desconfiança muito ruim", disse ele ao jornal o Estado, quando embarcava de volta para o Brasil.

Isso mesmo, o clima da Conferência do Clima, assim como outros espaços de cunho universalista, também sujeito a chuvas de ego e trovoadas de poder, não passou de um encontro de países desconfiando uns dos outros. Lá a hegemonia imperial esteve presente, os mais ricos preocupados com as emissões de carbono dos mais pobres. 

Para crescer, economicamente, também precisamos de combustíveis fósseis para continuar sendo chamados de 'emergentes' e não mais de 'subdesenvolvidos'. A realidade de nossos países se liga também ao efeito estufa: mais progresso, mais ordem serializante, mais fábricas, mais substâncias tóxicas, mais poluição, menos reciclagem, mais hipercapitalismo, mais emissão de dinheiro e carbono.

O Sol esquenta a Terra e ela esquenta em troca por estar sufocada, e, como num jardim de inverno, acaba por nos sufocar também... O céu sem ozônio verte mais chuvas, que se não são ácidas, tornam-se alagamentos e nos prepara para pequenos dilúvios.

Diante disso é que temos de firmar, enquanto simbiotas do planeta, um novo tratado, já que estamos sentindo cada dia mais frio ou calor, mais neve ou enchentes. Já passou da hora, como previa o filósofo, de definir um acordo harmônico, com valores éticos e ecosóficos renovados: o contrato que Serres chamou de Natural, e que, atualizando, chamarei de Contrato Ecosófico.

Olhar para o futuro em viradas de ano será um bom exercício, se não ficarmos como disse o ministro "olhando para o próprio umbigo". Não é um exercício obrigatório, nem deve sê-lo, mas é um exercício bio-ético, como um direito humano de todos e todas, para com o seu ,o nosso, e o devir de toda a humanidade, para com o futuro planetário e global.

Em outubro de 2005 a Unesco proclamou, após uma conferência de 191 países, inclusive o Brasil, uma Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, que inicia afirmando que todos deverão estar: "Conscientes da capacidade única dos seres humanos de refletir sobre sua própria existência e sobre seu meio ambiente...".

  Será que nós temos mesmo essa capacidade? Estamos refletindo, individual e coletivamente, sobre nossa existência? Desejamos realmente uma mudança ética, política e estética nos nossos meios ambientes? Cuidamos com afeto e respeito de nossa parceira principal, no Salão da Dona Natureza, sem lhe pisar nos pés, ou derrubá-la, como às árvores ao chão, nesse convite para uma nova dança, uma nova música e um novo Concerto da Vida?

Aos moços e moças, os jovens do futuro, do grande baile vital, todos e todas, deixo aqui o convite para que conheçam essa Declaração, que não é apenas mais uma, mas um documento que olha para nosso futuro, em especial em seu Artigo 17: "PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE, DA BIOSFERA E DA BIODIVERSIDADE", que nos clama, reclama e avisa que a: "Devida atenção deve ser dada à inter-relação de seres humanos com outras formas de vida, à importância do acesso e utilização adequada de recursos biológicos e genéticos, ao respeito pelo conhecimento tradicional e ao papel dos seres humanos na proteção do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade."

A dança da vida exige movimento, já o disse, e agora para 2010 posso afirmar que o Ambiente EXIGE RESPEITO... Vamos cuidar do nosso salão de danças, com o fogo, a àgua, os ventos, e seu chão tão batido? ou deixaremos este espaço físico e seus problemas para os futuros dançarinos, do 'Salão da Dona Gaia', ou melhor a 'gafieira do Planeta', outrora chamada Terra?

Lembrete: os futuros dançarinos podem ser nossos filhos, filhas, netos ou bisnetos, mas basta que sejam habitantes do ainda imenso, belo, confuso, criativo, plural, complexo e diverso mundo no qual semearemos, po-éticamente, nosso próprio devir. Parafraseando o poeta Drummond de Andrade, digo:
"é dentro de nós, que, anestesiado e sonolento pelo espetáculo, o Ano Novo, cochila e espera desde sempre."

Vamos festejar o quê em 2011 e depois? O cinema já se antecipa, com boas bilheterias e espectadores, com a ameaça da catástrofe ficcional para 2012... e outros presságios.

copyright / left jorgemárciopereiradeandrade ad infinitum - 2009 ad infinitum, todos os direitos reservados, favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela internet... as massas e o meio ambiente agradecem. (PARA ALÉM DE TODAS AS PANDEMIAS)

Referências bibliográficas - Serres, Michel - O Contrato Natural - Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, RJ, 1991.
do IG)

InfoAtivo.DefNet - Nº 4324 - Ano 13 - 29 de Dezembro de 2009
Editorial ANO NOVO - 2010 FELIZ MUNDO NOVO NO ANO NOVO

Fontes:
Estatuto da Gafieira - https://letras.terra.com.br/billy-blanco/376613/

COP 15 - https://www.estadao.com.br/noticias/vidae,arremedo-de-acordo-assinado-em-copenhague-nao-convence,485838,0.htm

DECLARAÇÃO SOBRE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS - https://www.bioetica.org.br/?siteAcao=DiretrizesDeclaracoesIntegra&id=17

LEIAM TAMBÉM NO BLOG - 
ÁGUA PARA QUE TE QUERO?  DIA INTERNACIONAL DA ÁGUA. https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2010/03/agua-para-que-te-quero-dia.html

AS MASSAS, AS ÁGUAS, AS FLORESTAS, NOSSAS VIOLÊNCIAS https://infoativodefnet.blogspot.com/2015/03/as-massas-as-aguas-as-florestas-e.html

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

UM MUNDO PARA VOAR


(imagem publicada - Logomarca criada por Priscila Fonseca, como um desejo que este seja o símbolo para as paralisias cerebrais, com o símbolo em azul no meio representando uma pessoa em cadeira de rodas, com vários círculos ao redor, onde se alternam as imagens de mundos em formato de coração e circulos com pombas, ora brancas ora azuis,ora cinzas, ora pretas, tendo ao alto a frase: O Mundo pode mudar cada vez mais, para podermos voar, e embaixo a sua logomarca PÉ-SSOAL de autoria desta jovem mineira que é uma pessoa com paralisia cerebral)

InfoAtivo.DefNet 4320 - ANO 13 - 16/12/2009

"NATAL
NASCE UM DEUS. Outros morrem.
A Verdade nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou
Cega,a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho de seu culto.
Um novo deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto..." (Cancioneiro, Fernando Pessoa)


Tenho recebido muitas manifestações de afeto e carinho, principalmente pela minha mudança de condição física, após a minha cirurgia de coluna vertebral. Mas tenho também vivenciado, intensa e criativamente, o sentido da perda parcial de algumas funções, habilidades e, principalmente, a mobilidade física para a Vida, como no passado.
Disse e escrevi ao meu neuro-cirurgião , junto à minha gratidão por sua intervenção, refletindo sobre a mudança que o pós-operatório me apresentava de que : A VIDA EXIGE MOVIMENTO....

Acho que nunca sonhei tanto com asas, vôos e, retomei na minha memória, um personagem de minhas poesias da adolescência: Ìcaro. Este mito que considero a melhor representação de nossos desejos mais profundos de libertação de nossos próprios labirintos, mesmo que nossas asas sejam de cera. Aspiramos o Sol e seu calor, por mais que nos leve até as profundezas do mar, mesmo quando nos derrete o sonho alado.

Eu acredito que tenhamos muito a aprender com as pessoas que já vivem com suas asas, semi-asas ou múltiplas asas em alerta. Estou reaprendendo, mais uma vez na minha vida, a presença de vôos sobre/para além dos limites do corpo. Como o poeta Fernando Pessoa, sem heteronomia ou alter-poetas, há uma busca que fazemos para explicar nosso mundo e seus mistérios. A visão do poeta nos obriga a pensar sobre nossa In-finitude humana e nossa transitoriedade.O que passamos é, nesse instante, mais um dos nossos muitos passados que explicarão nosso futuro.

O Amanhã, para os argonautas e seu desejo de novos mares e aventuras será sempre um novo des-cobrimento. Para este poeta múltiplo ser um argonatu implica em navegar nas àguas tempestuosas. Nos nossos tempos atuais, da Era do Acesso, mover-se exige tanto a velocidade como um caminhar, navegar ou voar com maior suavidade. Será isso possível quando nos impõem tantas e tamanhas barreiras, ondas da moda hipermidiatizada, naturalizações estigmatizantes, banalizações engessadas das violências?

O rei de Minos queria aprisionar uma fera em um labirinto. Nós o construímos, Dédalos e Ícaros Modernos, hoje, para nos libertar de nossos próprios monstros. E sem a ajuda de nenhum fio de Ariadne estamos meio perdidos em um mar-de-sargaços da hiperinformação, envolvidos no meio de um turbilhão macropolítico da corrupção, assombrados por ondas revoltas do maremoto de angústias que produzimos. Há uma saída ou solução cartográfica? Talvez sim, quando desejarmos, como o poeta lusitano, nos tornarmos outro e mais Outro, provocando, através de Alberto Caiero:

"ANTES O VÔO DA AVE, que passa e não deixa rastro,
que passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser...
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.
Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!"


Eu aqui, mais um bicho-homem e seus rastros, continuo sonhando ser apenas uma ave, talvez um albatroz ou novo Ícaro. Ainda mais que, depois de minha asa partida, não ter podido mais sobrevoar na invenção de um tal Santos Dumont. Não fiz mais nenhuma travessia ou travessura aérea. Por isso aprendo um pouco mais a aprender com os amigos, chamados de 'paralíticos' ou 'cadeirantes', pois sei que em cada um deles mora um passarinho, gaivota ou uma águia, quiçá em alguns até o condor, que talvez seja o que lhes anima e faz re-existir a todas as violências e discriminações. E persistirei no desejo de outros vôos e outras aeronaves. Como diz minha amiga: "O MUNDO PODE MUDAR, CADA VEZ MAIS, PARA PODERMOS VOAR"...

A estes amigos, os muitos Ronaldos, Priscilas, Alexandres, Leandras, Isabeis, Vinicius, Sachas, Geraldos, Kátias, Gregórios, Lílias, Veras e muitos outros que usam rodas em suas cadeiras esvoaçantes para a longa caminhada pela estrada aberta..., dedico esta mensagem de fim de ano.

NO ANO DE 2010, e neste fim de ano, envio, a todos e todas, inclusive aos "sem-asas" de sonhos, meu desejo de que saibamos cada dia mais ver mais longe, sonhar mais alto, mesmo que nos ameacem com todos os aquecimentos da Terra ou do Sol.

Como exemplo de um sonho-amigo, recomendo a todos que vejam ou re-conheçam como os dedos dos pés, e algumas cabeças, para além das mãos imobilizadas, podem ser/se tornar asas. Indico estes pés e mentes que exigem movimento, que mesmo sem deixar rastros, vem marcando presença e diferença, com arte e paixão, no que ainda chamamos de "Paralisia Cerebral".

Conheçam a Priscila Toledo, hoje estudante de Designer Gráfico na Universidade Estadual de Minas Gerais,poetisa e artista em:
http://www.feitocomospes.com/index.html


O seu primo Gregório de Negreiros Caldas, que pinta com uma ponteira ligada à testa - em video do Youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=pBPr0zVkuRg


e visitem o Ronaldo Correa Jr , de quem sinto saudades, em seu Dedos dos Pés:
http://www.dedosdospes.com.br/


A CADA UM DELES CABE UMA ARTE-OFÍCIO DE VIVER SEM PARAR, POIS COMO NOS DIZ FLORBELA ESPANCA: " BELA, BELA , VIVER NÃO É PARAR... AS CINZAS NUNCA AQUECEM...", e eu plagio o poeta dizendo: "VOAR É PRECISO, POIS VIVER É IM-PRECISO"...
jorgemarciopereiradeandrade copyright 2009/2010 (livre para copiar e difundir quando citada a fonte)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O ESTATUTO DO HOMEM E O DIA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS




















Imagem - uma única mulher, pode com vigorosa tenacidade, enfrenta um batalhão de policiais  armados, empurrando um obstáculo, uma telha, uma centelha? Uma mulher palestina, lutando com seu próprio corpo, transformado em barreira e resiliência, em um cenário de repressão policial a um protesto coletivo. Ao fundo da foto está uma multidão observando, de um ponto mais alto, saindo uma fumaça escura de dois pontos deste lugar, que podemos assemelhar a um acampamento de marginalizados sociais, e o esforço policial para sua desocupação. (fonte lukeprog.com, prêmio Pulitzer de fotografia em 2007).

"FICA DECRETADO QUE HOJE VALE A VERDADE..."

Hoje, dia 10 de Dezembro, deveríamos estar comemorando o Dia Internacional dos Direitos Humanos, com o mesmo espírito que comemoramos o Natal.
Hoje em milhares de situações ou condições de vida, em todos recantos da Terra, um número inimaginável de seres humanos estão sendo submetidos à Violação de seus Direitos Humanos.

Lembro, ecumenicamente, que aquele que é lembrado no dia 25 de Dezembro, por seu nascimento em uma manjedoura, terminou sua vida terrena em um calvário e sob tortura, na crucificação por um IMPÉRIO, com uma placa onde se lia ser ele o "rei dos judeus", e ao lado de transgressores da lei romana, apesar de sua origem e história como um proto-comunista e universalista dos direitos de todos.

Em tempos de um novo Império, lamentavelmente, vemos que uma discussão acalorada sobre os direitos humanos, quase sempre, caminha para a banalização de que seus defensores somente defendem criminosos, bandidos, violentadores ou meliantes, apenas os que transgredirem as nossas leis e os bons costumes. Diante desta já midiatizada e popularizada versão distorcida, não podemos deixar de contra argumentar sobre a ausência, quase que cotidiana, de uma educação sobre quais são, por quê e para quê os nossos direitos humanos existem e foram transformados em uma Declaração.

Para além da Declaração de 1948, que em sua própria história traz o pós-guerra e a necessidade de um concerto entre os vencedores, ao mesmo tempo que nascia as Nações Unidas (ONU), deveríamos compreender que a sua aparente e impossível universalidade é um fundamento que deveríamos abraçar e realizar.

Entretanto, nos chamam, os ditos defensores de direitos humanos, de utopistas ou de comunistas, ora um pouco sonhadores e em outras naturalizações de "socialistas demais" ou "xiitas"... São múltiplas e heterogêneas as formas de defesa destes direitos, militantes ou não. Porém, com certeza, não são pessoas anestesiadas pelo utilitarismo, pelo liberalismo e muito menos pelo conformismo.

Tentam apagar da nossa memória os nossos Anos de Chumbo. Negam a existência de Trabalho Escravo. Esquecem da cotidiana exclusão e marginalização de crianças e jovens em situação de rua. Suprimem a violência institucionalizada e legitimada dos órgãos oficiais de repressão policial. Renegam a existência de Racismos, intolerâncias étnicas, discriminações de gênero ou de caráter sexual, como a Homofobia. Fecham os ouvidos às vozes sufocadas pela permanência da Tortura e não condenação de torturadores reabilitados. 

 Mantêm invisíveis os milhares de cidadãos e cidadãs que convivem com a miséria ou a pobreza, que são mais graves quando associadas às muitas formas de ser estar com uma ou múltiplas Deficiências. Confirmam a necessidade de Manicômios ou de Asilos para loucos e velhos não-recicláveis, bem como outros considerados cidadãos de segunda categoria, a serem higienicamente isolados. 

Enfim, referendam os que só enxergam, a partir do próprio umbigo, de forma individualista, neoliberal e narcisista, temendo, como única violência aquela que possa lhes afetar em suas intimidades ou modos domésticos e protegidos de viver...

Tudo isso, ao meu ver, pela profunda macrodespolitização a que estes princípios de direitos sofreram, geraram e podem gerar. O mundo globalizado, e a atual Conferencia na Dinamarca, nos ensina/confirma que ainda persiste, nos nossos Estados e estadistas, a divisão entre os ricos e os pobres, entre os que se desenvolvem capitalísticamente à custa do não-desenvolvimento de outrem, da segregação e restrição da possibilidade de crescimento e transformação das condições de vida, habitação, saúde e educação, da afirmação dos chamados direitos de 4ª (quarta) geração para os miseráveis da Àfrica, da Ásia ou da América Latina.

Retomo, diante deste panorama mundial, onde me parece que o futuro do planeta e seus habitantes fica novamente a reboque da Economia e do Hipercapitalismo, mesmo sob o risco de ficarmos todos, mundialmente, ou fritos ou afogados, a necessidade de uma busca do que Guattari chamou das Três Ecologias. Ao traçar o paralelo sobre a possibilidade de uma ecosofia de um novo tipo, ético-politica e estética, é que devemos ter em mente algumas ideias poéticas para o convívio entre os homens, suas culturas, etnias e diferenças sócio-político-econômicas.

Precisamos, segundo Guattari, nos tornar capazes de um "movimento de múltiplas faces dando lugar à instâncias e dispositivos ao mesmo tempo analíticos e produtores de subjetividade". Teremos de, rompendo alguns preconceitos e antigos "militantismos", nos tornar mais solidários, ao mesmo tempo que cada vez mais diferentes e múltiplos. Apesar do incômodo, toleraremos as presenças e diferenças de nossos "ESTRANHOS ÍMPARES", EMBORA DESIGUAIS, AFIRMANDO OS PRINCÍPIOS DE NOSSA IGUALDADE NO CAMPO DA DIGNIDADE E DO RESPEITO À VIDA.

Para atualizar meu desejo ecosófico com uma outra forma de afirmar os Direitos Humanos, trago o que considero uma das mais belas poesias sobre o que podemos vir a ser. Muito embora já devêssemos ter e ser nos tornado com esta suavidade poética, mais persistentes e resilientes.

 E, então, realizar o compromisso inadiável, na nossa História, para com as mudanças nas três ecologias: a do meio ambiente, a das relações sociais e políticas, e, profundamente, a da subjetividade humana.

No campo da produção da subjetividade, tanto individual quanto coletiva, ainda podemos buscar seu 'transbordamento', qual as enchentes que estamos ajudando a provocar, para fora das posições herméticas e os enclausuramentos egoístas ou identificatórios. Talvez aí possamos, poeticamente, encarar nossas transitoriedades, finitudes, nossas dores, nossos amores e desejos, nossas limitações, nossa morte.

Trago, hoje dia 10 de dezembro, para nossa reflexão o poeta Thiago de Mello, que talvez agora esteja lá no meio de sua Amazonas, preocupado com o futuro de seu pequeno igarapé ou das águas escuras, vastas, profundas e, quem sabe, ameaçadas do Rio Negro. Pois o Sertão pode virar Mar e o Mar virar Deserto...

"ESTATUTOS DO HOMEM


Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e que de mãos dadas,
trabalharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem".


FONTES:

FELIX GUATTARI - AS TRÊS ECOLOGIAS - Papirus Editora, Campinas, SP, 1993.

THIAGO DE MELLO - ESTATUTOS DO HOMEM - Martins Fontes Editora - São Paulo - SP - 1980

PARA OUVIR O POETA DECLAMANDO SUA POESIA , EM MP3 - https://www.4shared.com/file/91688850/b83bb724/thiago_mello_estatutos_homem.html


LEIAM TAMBÉM NO BLOG - 

ONDE NASCEM E MORREM OS DIREITOS HUMANOS? 

A(s) Deficiência(s) é (são) uma QUESTÃO DE DIREITOS HUMANOS! https://infoativodefnet.blogspot.com/2018/12/as-deficiencias-esao-uma-questao-de.html 

InfoAtivo.DefNet 4314 - Ano 13 - 10/12/2009

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

OS NÓS E OS SEM REDE - Acesso à Banda Larga na Internet brasileira


OS NÓS E OS SEM REDE -
Acesso à Banda Larga na Internet brasileira

InfoAtivo.DefNet - 4313 - Ano 13 - 09/12/2009
imagem publicada - foto de uma Banda de música, à moda antiga, composta por diversos instrumentos, de sopro e percussão, como a famosa tuba ou trombone, com seus uniformes tradicionais, com quepes e fardas à moda das bandas militares, no início do século XX, da cidade de Florânia, RN. Foto de arquivo do Prof. Flávio José de Oliveira Silva.

Uma música que já fez sucesso, a Banda, de Chico Buarque, é uma memória agradável que fala de ficar 'á toa na vida', e poder ver uma bandinha passar, daquelas de música do interior, daquelas que a saudade ressoa na memória. A Banda, nos lembra, aos mais antigos da Internet, os coretos de praças de pequenas cidades do interior, antigas ágoras sociais. Me lembrei da música pois quando foi sucesso, nos anos 60, eu nem imaginava que um dia teria uma outra banda transversalizando minha vida: a banda larga.

A Banda do Chico era um forma alegre e viva de conviver/re-existir, em 1966, com os iniciais ares de repressão e tristeza da Ditadura Militar. A nova banda, hoje dita larga, me faz pensar em outras formas de existir, a minha, a sua, a nossa VIDA DIGITAL.

Uma importante matéria foi publicada no Jornal do Senado, Nº 3.146/275, no período de 06 a 30 de novembro, que nos informa que "ALTO PREÇO E FALTA DE REDES LIMITAM O ALCANCE DA BANDA LARGA", no Brasil. A matéria ocupa um importante debate sobre o acesso às informações e dados pela Internet, com a constatação de que: "PAÍS TEM OBSTÁCULOS PARA OFERECER CONEXÃO DE ALTA VELOCIDADE COM PADRÃO SIMILAR AO DOS PAÍSES DESENVOLVIDOS. REDUÇÃO DE PREÇOS E AUMENTO DA REDE SÃO DESAFIOS PARA ATINGIR A META DE 90 MILHÕES DE ACESSOS ATÉ 2014..."

O que de início vemos é que ainda estamos, apesar de todas as propagandas, ocupando um lugar de destaque entre os 'países não desenvolvidos no campo da Internet', ao menos pela diferença entre o Brasil e países como o Japão, onde "o Mbps de banda larga sai a R$2 (DOIS REAIS)... e no Brasil o preço mínimo é de R$50 (CINQUENTA REAIS)..." E mais ainda em um país no qual somente "16% têm acesso com velocidade superior a 2 megabytes", o que revela que se "o número de acessos ainda cresce rapidamente, a velocidade de navegação cresce "timidamente", de acordo com a 12ª edição do Barômetro da Banda Larga.

E você(s) que lê(em) esta constatação, provavelmente, estão entre a maioria dos brasileiros e brasileiras que considerados "mais popular". Ou seja nossa velocidade de acesso está entre 512 kbps e 999 kbpsa . Ainda estamos ouvindo a bandinha no coreto da praça, enquanto os japoneses e japonesas interagem, em tempo real e veloz, com as suas bandas de rock no resto do mundo globalizado.
Ainda nos mantêm, na realidade global, info-excluídos, como nos interiores, pois por aqui são muitos os Brasis, onde nem mesmo o telefone chegou. Concluímos, então, que alguma coisa precisa ser feita para além de reconhecimento estatal dessa realidade de exclusão digital a que nos submetem, tanto como país 'em desenvolvimento', como ciber-cidadãos e cidadãs em crescimento.

Nós, podemos nos chamar de "navegantes com rede", mas para que nos mantenhamos nesse "bote inflável e digital", nessa condição atual, precisaremos reconhecer a existência dos 'SEM REDE'. Ainda concentramos todos os serviços de provedores no sudeste brasileiro. "Só o estado de São Paulo tem 4,5 milhões dos 10,9 milhões de pontos fíxos de banda larga", comenta a reportagem do Jornal do Senado.

Uma das saídas dessa situação caminha, dentro de um projeto legislativo, na direção dos interiores brasileiros. O projeto do Senador Aloisio Mercadante (PT-SP), de número 1.481 de 2007, está para ser votado pelo Plenário da Câmara. Este projeto de lei destina verbas do FUST (Fundo de Universalização das Telecomunicações), aquele que todo mês é aplicado em todas as nossas contas de telefone, e que já acumula 08 milhões de reais, para "oferecer conexão de todas as escolas públicas, POR BANDA LARGA, até 2013, e também promover a universalização do acesso à Internet para pessoas de baixa renda".

Já escrevi e publiquei, há 06 anos atrás, um artigo sobre a urgente necessidade de uso dos recursos do FUST, COM A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE UNIVERSALIZAÇÃO DAS TELECOMUNICAÇÕES, onde afirmava que este é: "... um campo dos recursos públicos e de possíveis políticas públicas efetivas, que pode ser um passo imprescindível para que as novas tecnologias se socializem e cheguem onde não são rentáveis e, a maioria das vezes, são urgentemente necessárias: junto dos excluídos sociais..." (1)

A Internet, nestes tempos da velocidade e da fugacidade, que gosto de chamar de IDADE MÍDIA, traz um fator potencial gerador de novas culturas, novas subjetividades, novos espaços de criatividade e invenção, por isso não pode continuar sendo o privilégio de alguns. As técnicas e tecnologias não são boas ou más, mas com certeza não são apolíticas ou neutras. Elas podem, quando aprofundam o chamado abismo digital, reforçar as desigualdades e os processos de desfiliação social.

Precisamos portanto, todos e todas, entrar/participar nessa nova BANDA, que em samba-pop-rock vamos chamar, ainda, de 'Narrow Band'. Porém essa bandinha mixuruca, de público restrito, não é igual à Bandinha da Cidade que tocava, democrativamente, para todo mundo. Era como, na musica do Chico uma banda que tocava para moços, moças, crianças, velhos e qualquer um. Talvez, "para ver a banda passar", um bom caminho seja a distribuição de tecnologias para as escolas, como prevê o projeto. O futuro urge e até voa, enquanto a chamada Inclusão Digital caminha a passos lentos, pelo menos nos bytes da banda larga.

Enfim, como sonhei/desejei no artigo, os múltiplos caminhos em direção ao que denominei de uma Sociedade do Conhecimento e das DIFERENÇAS, ainda acredito que podemos influir, usando criativamente as novas tecnologias para que, na Era do Acesso, muitos venham compartilhar de nossa rede. Mas é um sonho que só pode ser vivido coletivamente prá virar realidade.

Uma rede, assim como as de pesca, não se constroe ou tece sem os NÓS. Uma rede sem nós, sem pontos nodais infinitos, não é o que utilizamos quando tentamos 'pescar' na Internet sejam dados, sejam notícias ou amigos, sejam idéias ou divertimentos, tanto no campo das artes como dos conhecimentos, como neste Blog.

Nesse momento usamos a teia tecida de uma rede aberta, democrática e plural, cada dia mais veloz porém excludente. O que temos de, éticamente, denunciar que ela é, ainda, uma rede que não conta com as mãos mais calejadas, humildes, envelhecidas, iletradas, empobrecidas ou diferentes, de uma grande maioria, ainda considerada off-line, sem rede, sem direito à esta tessitura digital. No hipercapitalismo o preço do desenvolvimento é muito mais alto, principalmente para os países que são chamados "em desenvolvimento".

VAMOS, PARA A PRAÇA, HOJE A ÁGORA DIGITAL, BOTAR A BOCA NO TROMBONE?

Aviso aos navegantes do Brasil, pagamos mais que qualquer país do mundo para continuarmos acessando a INTERNET, enquanto japoneses pagam 0,75 dólares para cada megabite de velocidade, nós por aqui estamos pagando 34,50 dolares, segundo a matéria do Jornal do Senado, que me desaponta quando diz: "O Ministério das Comunicações sonha ter, em 2014, a banda larga popular (com 2 Mbps- megabites por segundo) ao custo mensal máximo de R$30,00..., porém anos-luz do que se cobra pelo mundo afora". E ainda temos o Marco Digital do Ministério da Justiça para encarar e opinar...

Eu que agora não estou à toa na vida, mas preocupado com a exclusão digital, pela passagem e o preço do tempo, e por não ver tantas mudanças como apregoam os órgãos oficiais, declaro:
"Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou ..."


(copyright jorgemarciopereiradeandrade 2009-2010 - favor citar a fonte em caso de difusão na Internet, com envio especial aos nossos gestores, senadores, deputados, etc...)

FONTES-
JORNAL DO SENADO - para acessar via INTERNET - http://www.senado.gov.br/jornal/iNoticia.asp?codNoticia=91827

Artigo publicado sobre o tema:
(1) Para além das Exclusões: Por uma Sociedade da Informação rumo à Sociedade do Conhecimento e das Diferenças- Andrade, Jorge Márcio Pereira, in Políticas Públicas: Educação, Tecnologias e Pessoas com Deficiências, Silva, Shirley & Vizim, Marli, Editora Mercado de Letras/ALB, Campinas, SP, 2003 (págs.175-217)


Para ler a letra da Música do Chico Buarque: http://letras.terra.com.br/chico-buarque/45099/
Para a história da Banda de Música da Cidade de Florânia: http://www.inforside.com.br/noticias.aspx?id=12&sectionID=4

domingo, 6 de dezembro de 2009

POR UMA MÍDIA QUE SE PREOCUPE COM A SUA LÍNGUA...


POR UMA MÍDIA QUE SE PREOCUPE COM SUA LÍNGUA...

e as possíveis consequências ético-político-estéticas de sua responsabilidade social

InfoAtivo.DefNet 4312 - Ano 13 - 06 de Dezembro de 2009.
imagem publicada - foto da matéria jornal - com o jovem Guilherme, que é pessoa com paralisia cerebral, em sua cadeira de rodas, em um corredor onde se vêem outras pessoas caminhando em direção oposta, e uma pessoa realizando filmagem para uma mídia televisiva sobre Guilherme. Autor: Luís Félix/GES

Dizem que o melhor e fiel escudeiro de Hitler, o seu Ministro da Propaganda, Sr. Paul Joseph Goebbels, tinha como alguns porta-vozes oficiais de Governo, à mesma maneira do que ainda assistimos muitas vezes, um bordão, ou seja um clichê, ou seja uma frase de efeito dos que desejam o controle ou a mistificação através da informação. Ele gostava de afirmar que uma ''mentira cem vezes dita, torna-se uma verdade". A partir deste modelo ainda frequente na Sociedade do Espetáculo é que proponho uma preciosa crítica e atenção para o que nos é dito, escrito, lido e televisionado. No campo das minorias e marginalizados cada dia mais temos de cuidar da linguagem e dos termos de uso comum que se naturalizam, assim como os usos e costumes da moda na e da Mídia. Acho que devemos olhar o que há debaixo da língua da Mídia, quando esta faz suas reportagens ou seus informes.

O que escrevo agora é uma continuidade do que escrevi há alguns dias. Era um desejo-antevisão dos 300 que entrariam/entrarão na Universidade pela porta da frente, sem escadarias ou barreiras atitudinais, comunicacionais, de informação e de "linguagem". Era uma opinião sobre o direito de uso de ajudas técnicas, tecnologias assistivas e todas as formas de facilitação e suplementação que permitiriam a acessibilidade e o acesso de um jovem com paralisia cerebral às Provas do Enem. Guilherme Finotti fez a prova do Enem. Assim espero. Ele conseguiu sua participação, escoltado por "agentes'" do INEP e da Polícia Federal.

Me lembrei de imediato, ao ler a reportagem, das imagens de crianças negras sendo escoltadas, pelo Exército, no Arkansas, EUA, para entrarem nas escolas públicas, por ordem presidencial de Eisenhower, no árduo processo de afirmação dos direitos civis dos negros na história norteamericana. Porém há que notar nessas aparentes cenas superpostas no meu imaginário, que lá, em 1957, entravam pelo menos umas 10 ou mais crianças nas escolas 'only for White', e aqui, nesse momento histórico, estamos com um (01) jovem gaúcho com paralisia cerebral, escoltado, que fez sua autodefesa e não teve nenhuma determinação presidencial para que lhe 'abrissem todas as portas da Educação'... A ele não foi negado o acesso, em princípio, mas sim negado que ele tem e terá sempre algumas diferenças a serem respeitadas e reconhecidas.

Depois, no auge do movimento de direitos civis de negros, o presidente Kennedy, nos anos 60 confirmou essa cena, quando teve de colocar também o Exército, para garantir a entrada e permanência de a necessidade de 01 cidadão negro à Universidade, em um estado sulista e reduto da KKK (Ku-Klux-Klan), o famoso Mississipi (em chamas). O seu governo tinha de cumprir uma determinação de 1954, quando a Suprema Corte, respeitou o posicionamento de seu juiz Earl Warren, que afirmou: "A segregação de crianças em escolas públicas baseada apenas na raça, mesmo que as instalações físicas e outros fatores sejam iguais, privam as crianças do grupo minoritário de oportunidades de igual educação? Acreditamos que sim (...) no campo da educação pública a doutrina "separados, mas iguais" não tem mais lugar. Escolas separadas são intrinsecamente desiguais. Além disso, defendemos que os litigantes e outros que estejam em situação semelhante (. ..) estão, pelas razões de segregação alegadas, [privados da igual proteção das leis e da 14ª Emenda]" (tradução livre) (1).
O que ficamos sabendo pela mídia, e que foi divulgado, muito ajudou a mudar a história de Guilherme. Nesse ponto reafirmo a responsabilidade da socialização de todos os acontecimentos, fatos ou dados. Obviamente sem o sensacionalismo e as distorções que uma notícia pode ela, sim, sofrer.
No século passado, a principal demanda era poder entrar, no caso norte-americano, nas instituições de ensino segregantes, o que assistimos hoje é um outro momento, mas ainda segregante quando um sujeito com deficiência desejava apenas fazer uma prova, com os devidos apoios de um computador E TECNOLOGIAS ASSISTIVAS. (LEIA O TEXTO publicado, EM 17/11/09, aqui no blog- "Seremos 300? Um pc para cada PC... - iNFOATIVO.DEFNET Nº 4303).

Será importante para a mídia, do jornal local ao Jornal Nacional, esclarecer e elucidar que ele, assim como outros jovens e crianças, NÃO SOFREM DE OU COM A PARALISIA CEREBRAL, pois esta condição neuro-psicomotora e física, não é motivo de sofrimento contínuo e progressivo.
A paralisia cerebral dele é decorrente de possível situação de má oxigenação de seu cérebro, ocorrida antes, durante ou depois de seu parto. É preciso dizer e publicar que seu Sistema Nervoso Central, ou seja seu cérebro, tão aficcionado à Astronomia, por mais que tenha uma lesão do passado é o mesmo que lhe leva hoje a tentar entrar para a Uni - diversidade. Muito embora, se saiba que a sua condição diversa e diferente lá também encontrará, sem dúvida,muitas barreiras.
Há sofrimento quando um sujeito, como ele, é visto como único responsável por sua condição e incapacidades, e não o que lhe foi imposto a partir das limitações e das barreiras que lhe foram e são impostas pela sociedade e o meio que o cercam. E o cercam literalmente.

Recomendo que conheçam uma história de um outro jovem com paralisia cerebral, que também teve barreiras enfrentadas e demolidas. Assistam ao documentario: KING GIMP. É o resultado de trabalho sério e dedicado de 12 anos, nos quais dois cineastas acompanharam e filmaram a vida de Dan Keplinger. Hoje ele é um reconhecido artista plástico, e para tal é só acessar seus trabalhos em: http://www.kinggimp.com/film.html (site com versão acessível), com uma história de vida e determinação, daí ser nomeado um Rei Coragem, apesar de Gimp também significar 'aleijado'. Os cineastas, Susan Hadary e Willian Whiteford, ganharam o Oscar de melhor documentário em 2000. Dan usa uma ponteira na cabeça tanto para fazer o roteiro desse documentário premiado, assim como ainda hoje para digitar e fazer suas obras de arte. Pela matéria do jornal, podemos saber que também Guilherme utiliza uma ponteira para estes fins. As suas 'artes' e intervenções são em outros campos. Elas porém precisam de ajudas técnicas e de tecnologias assistivas para serem transformadoras. Vejam e ouçam o King Gimp. O documentário já foi exibido com legendas na HBO, quem sabe um dia entrará nos canais abertos?
A similitude entre Dan e Guilherme, porque foram veiculados em canais de mídia, é que ambos persistiram, com os indispensáveis apoios de outras pessoas, inclusive de familiares, para que as barreiras, de todo tipo, fossem superadas e removidas de seu caminho educacional. Mas estas barreiras não são removidas facilmente. Nem mesmo a existência de leis, como o Decreto 5296, assim com a recente Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (Decreto 186-08), tem providenciado, como por exemplo atitudes de respeito às mesmas, pois até nossos gestores, governantes e representantes legislativos ou executivos, quicá o judiciário, tem feito O QUE É POSSÍVEL, a não ser nos seus espaços dedicados apenas a pessoas com deficiência. AFIRMAMOS QUE O ACESSO E A ACESSIBILIDADE TEM AMBOS SUA INTERDEPENDÊNCIA, como DIREITOS HUMANOS, e uma exigente implantação e realização dessas leis e direitos.
Basta o exemplo de Guilherme, que precisou de muita luta para estar na prova do Enem. Lembrando que ele, apesar de não conseguir guardar dólares nas meias ou cuecas, ficou numa sala 'cercado de agentes'. Talvez essa proteção, além do risco dele 'colar' pelo computador, tenha sido por sua 'periculosidade imanente". Ele e os supostos 300 que virão empurrar as portas fechadas das Universidades brasileira, nos dizem que é IMPOSSÍVEL DETER A 'ONDA', A TSUNAMI DE TRANSFORMAÇÃO DOS DIREITOS SAINDO DO PAPEL, apesar da VONTADE, NA SOCIEDADE DE CONTROLE, de fazê-lo. Eles e suas diferenças estão chegando e sonho, como Martin Luther King, serão incluídos em todos os espaços sociais.
Cada dia mais novas brechas e novos ares estão se abrindo para nossas mentes e corações. Aí, nesses interstícios e espaços de liberdade, como as 'extintas' rádios-livres, é onde deveríamos e devemos manter nossas revoluções moleculares contra todas as barreiras, todas as formas de discriminação ou segregação. As similitudes de imagens, histórias ou de desejos poderá ainda ser maior se, no mundo das mídias, houvesse uma preocupação ética-política e estética. Se na Idade Mídia não mais se transmitissem, reforçassem ou naturalizassem os preconceitos. Isso vale também para todos e todas que militam ou atuam em defesa dos direitos das pessoas com deficiência ou outros sujeitos em discriminação ou segregação. Nós também estamos imersos, ou até submersos, na mesma sociedade que desejamos mudar...

HÁ QUEM AINDA ACREDITE QUE SE ESTÁ FAZENDO O MELHOR, "DENTRO DAS POSSIBILIDADES", QUANDO AJUDAMOS A VIDA DE GUILHERMES OU DAN, ESSES SERES APARENTEMENTE PARALISADOS, USANDO DAS MUITAS LÍNGUAS E PODERES QUE UMA MÍDIA PODE TER... MAS SE ELA NÃO CUIDAR DE SUA FORMA DE USO DESTAS LINGUAGENS, DA ESCRITA, DA IMPRENSA, INDO DA TELEVISÃO AO CINEMA, O QUE ESTAREMOS FAZENDO É 'PROPAGANDA'. O QUE ESTAREMOS REPETINDO É A POSIÇÃO DO VELHO MINISTRO NAZISTA, MESMO QUE SUBLIMINARMENTE. ESTAREMOS COLOCANDO, POR EXEMPLO, O SOFRIMENTO ONDE NUNCA DEVERIA ESTAR NA PONTA DA NOSSA LÍNGUA: A FAMOSA VOX POPULI. EXPLICO: POR EXEMPLO NESSA REPORTAGEM, SE O GUILHERME "SOFRE DE PARALISIA CEREBRAL", PARA ALGUNS CIDADÃOS E CIDADÃS QUE LERAM O JORNAL DIÁRIO CANOENSE, ESTÁ IMPLICITA A SUA CONDIÇÃO DE ' DOENÇA' OU 'INVALIDEZ', QUE DE IMEDIATO SE CONSTROE COMO UMA VERDADE COM ESTA LINGUAGEM E TERMINOLOGIA. MAS ELE NEM É PORTADOR E NEM É UM SOFREDOR DE UMA DEFICIÊNCIA. AS DEFICIÊNCIAS NÃO SÃO DOENÇAS, NEM PRECISAM DE NOSSA CURA OU PIEDADE.

O QUE PRECISAMOS, então, DESTA MÍDIA? PRECISAMOS, URGENTEMENTE, É QUE DOBRE A SUA LÍNGUA E RE- DIGA:

JOVEM COM PARALISIA CEREBRAL, POR SEU ESFORÇO E DETERMINAÇÃO, REALIZOU HOJE A PROVA DO ENEM.
Guilherme Finotti utilizou um teclado adaptado e poderá entrar na Feevale.


AOS NOSSOS CINEASTAS, JORNALISTAS, MIDIATIZADORES E TODOS QUE TRABALHAM COM A COMUNICAÇÃO E OS VEÍCULOS DE INFORMAÇÃO DE MASSA, UM ÚLTIMO APELO: PROCUREM OS PRÓPRIOS SUJEITOS COM CONDIÇÕES HETEROGÊNEAS E DIVERSAS DE SER E ESTAR NO MUNDO, A EXEMPLO DOS QUE COSTUMAM, POR FALTA DE ESPAÇO NO JORNAL, SEREM DENOMINADOS DE DEFICIENTES, PARA LHES AJUDAR A MUDAR SEUS PRÉ-CONCEITOS....
Pessoas em situação de deficiência vivem uma diversidade funcional, que podemos afirmar lhes permite, para além das limitações visíveis ou invisíveis, ultrapassar o que lhe impomos como barreiras. Mas estas só caem se retirarmos o nosso tijolinho, de cada um, de preconceito, o qual ajudamos a sedimentar nesse novo/antigo e renovável muro da exclusão e da desigualdade.

PS- Não seria interessante que alguém começasse a acompanhar a historia e a trajetória do Guilherme? Quem sabe um dia alguém possa dizer que o viu na telinha da Globo ou da Band? E o melhor ainda é que ele possa ser visto "por cegos", ouvido "por surdos", entendido "por pessoas com deficiência intelectual", e até pelos surdo-cegos, que conseguem afetar-se pelo seu "tato" e sensibilidade, quando distribuídas, garantidas e mantidas as tecnologias, com indispensável audiodescrição e o desenho universal nas telecomunicações. Bem como, quando nosso Ministro das Comunicações, não repetindo o Ministro da Propaganda do passado, lembrar que NÃO PODEMOS NOS OMITIR E MENTIR SOBRE DIREITOS JÁ GARANTIDOS NA LEI, PARA ALÉM DE QUAISQUER PRESSÕES GLOBAIS OU INTERESSES POLÍTICOS... E nesse passo oferecer e garantir acesso a todas as forma de comunicação e todos os avanços tecnológicos que garantirão a ACESSIBILIDADE UNIVERSAL, da Escola, da Rua, da Cidade, da Internet e todos os espaços onde a vida EXIGE MOVIMENTO. jorgemarciopereiradeandrade copyright 2009-2010.

1 No original : "Does segregation of children in public schools solely on the basis of race, even though the physical facilities and other "tangible" factors may me equal, deprive the children of the minority group of equal educational opportunities? We believe that it does... in the field of public education the doctrine of "separate but equal" has no place. Separate educational facilities are inherently unequal. Therefore, we hold that the plaintiffs and other similarly situated... are, by reason of the segregation complained of, deprived of [equal protection of the laws under the Fourteenth Amendment]". In: COOTER, Robert D. The Strategic Constitution. Princeton: Princeton University Press, 2000. p. 336

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MATÉRIA VEICULADA NO JORNAL DIARIO DE CANOAS 05/12/2009
Hamburguense com paralisia cerebral faz a prova do Enem na Feevale


O pai de Guilherme Finotti também responde às questões do Exame Nacional do Ensino Médio.

Novo Hamburgo - O estudante hamburguense Guilherme Finotti, 17 anos, que tem paralisia cerebral, realiza neste sábado o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no Centro Universitário Feevale. Sem outros estudantes na sala, o jovem tem a companhia de agentes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e da Polícia Federal durante a prova, que ele responde em um computador.
Seu pai, Luis Carlos Finotti, também fez o Enem, porém, no Colégio 25 de Julho.
Guilherme lutava há meses para prestar o exame em condições especiais, com computador, mouse, a colmeia (que protege o teclado para quem sofre de paralisia cerebral) e a ponteira, utilizada para acionar os botões
. http://www.diariodecanoas.com.br/site/noticias/ensino,canal-8,ed-149,ct-730,cd-231899,manchete-true.htm#

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

AS DEFICIÊNCIAS E O KAMA SUTRA - Algumas aproximações e distanciamentos


AS DEFICIÊNCIAS E O KAMA SUTRA
Algumas aproximações e distanciamentos

(imagem - foto de Evgen Bavcar, fotógrafo esloveno, que é cego, que trabalha com a imagem de uma mulher e múltiplas mãos, que nomeou de EROS)

(InfoAtivo.Defnet Nº 4310 - Ano 13 - 03/12/2009)
DIA INTERNACIONAL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA -
3 DE DEZEMBRO


Todo ano, no dia 03 de Dezembro, devemos comemorar o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Neste ano a ONU sugere um tema: o emponderamento das pessoas com deficiência e suas comunidades em um mundo de desigualdades e multiplas barreiras, através da Metas para o Desenvolvimento Global que devem se tornar mais inclusivas. 

Para reforçar este lema, e, estimulando essa comemor-ação coletiva, indo um pouco além, confirmo que o emponderamento precisa começar no mais profundo de cada sujeito em situação de deficiência, ou seja, além de plural, o direito à diferença, deve ser conjugado e apropriado no singular de cada um e de cada heterogeneidade humana.


E que, para uma transformadora postura de defesa dos direitos humanos temos de fazer, qual um leitor do Kama Sutra, um exercício 'contorcionista' de nossos mais arraigados preconceitos.

No título inventado pode parecer que pretendo discorrer sobre as questões da invisibilização da(s) sexualidade(s) das pessoas em situação de deficiência , assim como a negação preconceituosa das multiplas formas de ser e estar amando e vivendo o sexo, independente e ativamente, para além de quaisquer normas ou produções de subjetividade. Talvez seja a primeira aproximação ou melhor o primeiro pré-conceito que teria de abordar ao ligar dois campos que ainda se cercam de tabus, anedotas ou de banalizações.


O título, porém, me veio à mente quando passava por uma estante de uma livraria, nela constatei que ainda há uma relação direta das questões de sexualidade, dentro do modelo Kama Sutra, apenas com os livros de Psicologia, Psicanálise, Psiquiatria e campos afins, ocupando prateleiras contíguas. E ao ver que os livros, como o Kama Sutra, ainda são colocados juntos dos manuais de auto ajuda, conversei com meus próprios preconceitos. Pensei que um dos temas a ser abordado nesse dia em que se comemora, logo após o dia de luta contra a Aids, a necessidade de "um dia para promover os Direitos Humanos de todas as pessoas com deficiência", segundo proposta da Assembléia Geral das Nações Unidas, desde 1992, poderia ser o de sua(s) sexualidade(s).

Refleti, após algum tempo de 'trans-inspiração' e invenção, que a real aproximação temática do Kama Sutra, o famoso livro indiano, popularmente, associado apenas às posições para o ato sexual, transformado no mundo moderno em apenas um "manual" para o sexo, embora possa ser uma constatação reducionista, seria uma boa provoca-ação. Minha reflexão tem mais a ver com a questão da indispensável desmitificação dos dois campos: tanto o das deficiências como o modo indiano de ver o que consideravam seu erotismo sagrado, ou seja a busca da 'kama' ou o gozo dos sentidos. 


Ambos, submetidos a um olhar naturalizador, já foram e são motivo ainda de muitos pré-conceitos. Como por exemplo de que o livro possa virar somente nome de Motel e de que todas as pessoas com deficiência, independentemente de sua condição, necessitam de alguém que as tutele por serem "hipo-suficientes ou incapazes''...

Estamos em tempos hipermidiatizados. Supõem, alguns, que a exibição de um corpo humano, desde suas entranhas até a suas hipererotizadas 'partes proibidas', incluam-se aí quaisquer reentrâncias ou concavidades, nos tem tornado pessoas sem quaisquer preconceitos ou falsas moralidades. Muito pelo contrário. Alguns episódios recentes nos mostram que um mero espetáculo de pernas expostas, para além de indumentárias oficiais e uniformizadas, que são exigências de um Exército ou de uma Igreja, quando ocorrem no 'seio' de uma Universidade podem gerar desde as agressões verbais e o escárnio, à transformação de uma estudante em uma nova Bola de Sebo. Seria este uma analisador histórico da uniformização do preconceito de gênero?


Este conto de Guy de Maupassant, que ironicamente veio a falecer em um hospício (1850-1892), nos traz a personagem Bola de Sebo que, por ser 'naturalmente' prostituida, acaba por salvar os seus patrícios franceses da violência na guerra contra os alemães. O conto, aparente e mera ficção, nos traz a história da mulher gorda e excluída que aceita oferecer seu corpo para o oficial prussiano, para ter uma fugaz oportunidade de visibilidade e participação social, oferecendo seu corpo sexualizado em troca da liberdade dos que a convencem de que os seus preconceitos com ela tinham, temporariamente, desaparecido.


Nosso grande Chico Buarque nos mostra em sua música a mesma história com um novo nome: a Geni,nome muito próximo de Geisy, atualizando a trans-historicidade e trans-culturalidade de nossos preconceitos, onde mesmo os que nos salvem de uma horda ou exército invasor, não se descolam de seu estigma e estereótipo. Em nossos espaços instituídos, do domicílio à caserna, da rua à escola,caso seus patrícios ou compatriotas a considerem ainda apenas uma prostituta, gorda, diferente ou então uma grotesta figura..., ou mesmo alguém a ser destaque em uma escola de samba, ao ser carnavalizada , se não a reconhecemos em nossa identidade, de etnia, cultura, língua, gênero, sociedade ou estrato social, vamos todos, como uma massa uniforme, jogar "pedras na Geni", pois ela foi "feita prá cuspir"... e "Viva a Geni"...

Me perguntaram, hoje, se há ainda, em nosso mundo atual, preconceitos com as pessoas com deficiência. Fiquei, então, a pensar sobre os combates que ainda temos de exercitar em nossos próprios corpos e vidas.


Já avançamos muito, e lembrei ao jornalista que me entrevistava, dando alguns liames históricos recentes, que devemos agradecer os esforços para a ratificação da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, e sua condição de emenda constitucional e de Decreto Lei. Disse-lhe, porém, da necessidade, pela permanência e resistência dos preconceitos arraigados às nossas condições de seres humanos e de mortais, de novas e atualizadas leis que nos ajudem em nosso processo civilizatório e evolução ético-político-estético e humanística, tendo como base a utopia e o desejo de ver nossos Direitos Humanos realizados.

Reconhecendo que ainda possuímos em nosso incognoscível mundo inconsciente, antes de Freud, muito de nossos antepassados, é que fiz a conexão, para o distanciamento crítico, do que foi e é um livro como o Kama Sutra, e sua popularidade midiatizada, do que foi e é hoje considerado com um conceito de deficiência, também agora alvo de midiatização. Acho que, talvez, tenhamos mudado algumas de nossas "posições", talvez tenhamos atualizado algumas de nossas "imagens", assim como alguns livros aprimoraram com fotografias as pinturas eróticas hindus, também construímos um novo olhar e uma ' nova imagem' das pessoas com deficiência. 


Porém ainda não nos aproximamos de uma leitura crítica e aprofundada do que ainda se reproduz e se naturaliza quando, negando quem nos 'salvou', já que está em seu corpo a diferença e a prova da diversidade humana, novamente e, com a natural hipocrisia, lançamos esse Outro, agora incomodo, desnecessário e "inválido", ao esquecimento ou à repulsa/exclusão. 


Daí que, mesmo aplaudindo ou elogiando algumas iniciativas de normalização da diferença, principalmente através das mídias eletrônicas, continuo concordando com o poeta: Ninguém é igual a ninguém.... todo ser humano é um ' estranho ímpar'. E o sujeito com alguma situação de deficiência, por exemplo com Síndrome de Down, mesmo que apareça, por segundos, na telinha da Globo ou da Record, ainda pode ser visto apenas como 01 diferença entre muitos 'normais'...

Ainda somos uma sociedade do espetáculo, ainda há espectadores que gostam de ver 'homens elefantes' ou de 'anormais' para quem destinamos o Mal, o Pecado, o Erro, a Punição e a violência eugênica e purificadora, muito embora este seja o lugar de alienação reservado aos que não tem acesso a outros meios de comunicação e informação, como por exemplo este espaço na Internet. Ainda há uma massa de leitores, espectadores, seguidores que precisamos sensibilizar para um olhar, uma leitura e uma escuta críticos para além do que nos é permitido pelas corporações da Idade Mídia.

Por isso a Acessibilidade Universal a todos os meios e produtos de comunicação é indispensável e indiscutível.


Por isso é que no Dia Internacional da Pessoa com Deficiência ainda precisamos continuar dizendo: elas e nós, todos e todas, somos sujeitos de Direito e não pedimos caridade... queremos é o Respeito e não a piedade. 


Foi um ato piedoso de uma personagem, a Bola de Sebo que salvou as mentes e corpos que depois, superado o medo e o perigo, lhe rejeitaram e segregaram. Podemos retroagir, como dizia Elias Canetti, ao viver a inversão do temor de sermos tocados, viramos uma massa homogênea, uma torcida, um monte de universitários uivantes, um povão ou povinho exigindo o linchamento...

Ainda somos/seremos seres presos ao narcisismo das pequenas diferenças, com muitas posturas estigmatizantes de xenofobia, homofobia, onisciência, onipotência, intolerância, pre-julgamentos e outras formas de discriminação associadas em suas gêneses sociais, teóricas, políticas ou ideológicas, que necessitam ser combatidas. 


 Primeiro em nossos próprios corpos, ao nos reconhecermos nas Genis, depois em nossas mentes, aos nos despojarmos de nossas "velhas posições", quem sabe lendo de cabeça para baixo o Kama Sutra, e, talvez, quem sabe depois, de nos revelar um outro modo de sentir em nossos corações, ou melhor em nossos novos modos de sentir e re-existir o Gozo, o que este estranho Outro e os Outros nos convocam e provocam na re-ação..., Quem sabe as novas suavidades?


PS- Este texto poderia, talvez, ter como título As nossas Deficiências Amorosas e Sexuais de que somos porta- ardores e o Kama Sutra 2.009... aceito sugestões.


copyright jorgemarciopereiradeandrade 2009-2010 - favor citar a fonte ao retransmitir, ficando aberto o texto à intervenção e à multiplicação livre que deve ser a Internet...

Fontes de referência para o texto:

http://www.un.org/disabilities/default.asp?id=1484
http://pt.wikipedia.org/wiki/Kama_Sutra
http://www.lendo.org/bola-de-sebo/
http://tramafotografica.wordpress.com/2008/08/05/um-colega-para-evgen-bavcar/