sexta-feira, 26 de março de 2010

ÁGUA PARA QUE TE QUERO? Dia Internacional da Água


IMAGEM publicada: mostra a fotografia de Samah, uma menina palestina de 9 anos, bebendo ÁGUA diretamente de uma torneira, que faz parte de um acervo fotográfico do projeto "Humanizando o Desenvolvimento", como parte da Campanha Global promovida pelo Centro Internacional de Políticas Públicas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) das Nações Unidas (ONU) - foto de Mustafa Hassona.

InfoAtivo DefNet nº 4376 - Ano 14 - 26 de março de 2010.

“ O real desenvolvimento acontece no coração das pessoas. Significa permitir que a natureza humana desabroche e evolva. Onde há razão e amor, há forca e poder para lidar com as dificuldades da vida. Encorajar as pessoas a governarem suas vidas e a si mesmas, e alcançarem o mais alto de seus potenciais – isto é desenvolvimento. Devemos reconhecer aqueles que são grandes a despeito e as vezes em razão das dificuldades que enfrentam. Devemos encorajar a humanidade em cada um de nós – a capacidade de Ser tanto dos pobres quanto dos não-pobres
”.


Dizem que "fechar a torneira" é uma expressão de solução para muitas questões, problemas ou momentos de dificuldade. No mundo capitalizado é comum associar a frase ao ato de restringir o uso de DINHEIRO, como se do cano saíssem as moedas ou notas, e ao fechar a torneira estamos resolvendo um problema de escassez, excesso ou de dívidas monetárias.

A comparação com uma cornucópia é muito comum e banal no cotidiano, e, é esta solução usada geralmente por quem detem o poder da grana e sua manipulação. Ou são os banqueiros, os governantes ou até mesmo os nossos familiares.

"Fecha a torneira que esse ou essa aí vai endireitar", uma frase muito comum de pais, dos tempos passados e autoritários, que queriam ver seus filhos no "bom caminho". Será que foi isso que mudou as veredas trilhadas pelas gerações dos anos 60/ 70? Podemos pensar que foi isso que gerou os "bons comportamentos e a ética" dos que agora têm nas mãos as 'torneiras' de recursos que podem mudar as politicas públicas de água e seu abastecimento?

Não, não deveríamos deixar fechar apenas essas falsas torneiras simbólicas e macropolíticas. Não deveríamos fechar mas aprender a aprender a fechar outras torneiras ou outros meios de controle, privados, do desperdício de água, e não apenas, urgentemente, de dinheiro publico

Cada dia que passa ao ver a água que jorra em nossos lares, escolas, hidrantes ou mesmos calçadas, sem nenhum motivo vital ou uso consciente, contribui-se para que outros recursos, principalmente públicos, estejam indo pelo ralo ou bueiros. E para nossos descendentes um dia, quem sabe, essa água faltará.

Estamos em meio à uma campanha de utilização consciente dos recursos hídricos potáveis da Gaia. A água, assim como o afeto materno, é doce mas não é inesgotável. É tempo de refletir sobre o planeta-água. Sim, somos muito mais ÀGUA DO QUE TERRA. Como já disse, poética e proféticamente, Saint-Exupery: "Só o Espírito soprando sobre a Argila pode criar o Homem". Sem o barro não há o homem, sem a àgua não há o sopro da vida...


Em 1992 foi criado o DIA INTERNACIONAL DA ÁGUA pela ONU (Organização das Nações Unidas), tendo como data a comemorar o dia 22 de março, que foi celebrado 01 ano depois. Desde essa época apenas anualmente o Dia da ÁGUA chama nossa atenção para a sua preservação ou uso sustentável. Mas a água é muito mais que uma necessidade básica dos seres humanos. Ela é parte constitutiva da sua própria vida entendida como 'BIOS', por isso mesmo se tornar um excenlente meio de controle biopolítico das sociedades através dos tempos.

Segundo a ONU, atualmente cerca de 1.1 bilhão de seres humanos ainda não tem acesso à agua de boa qualidade. Essa parcela da população do planeta convive com sua escassez, sua ausência ou sua contaminação, sendo vulnerável às diversas doenças ou sofrimentos acarretados por esta situação.


Vimos essa crueza,quando nos falta a água, nos canos expostos e destroçados pelos recentes terremotos do Haiti e do Chile. As veias e artérias de água alimento e vida desaparecem. E, lá também ficaram expostas as razões de desespero diante da ausência total de água potável ou limpa. É a hora em que os seres humanos podem revelar sua possibilidade de retorno à barbárie por algumas gotas deste precioso líquido vital.

Será que podemos mudar o atual panorama mundial de escassez da água? Estamos empenhados para afirmar o direito à água limpa como um direito humano fundamental?

O que podemos fazer para ajudar na preservação das fontes de água limpa e extremamente saudáveis, como as fontes de água mineral de minha terra natal? O que fazer para que acordemos para a desertificação, contaminação e desaparecimento dos rios, lagos, lençóis pluviais, e todos os reservatórios naturais de água doce, fontes passíveis do uso salvador pelos milhares de pessoas do planeta que morrem após ingerir água contaminada? Os milhares que também morrem por sua falta total...


Em muitos lugares do mundo, nesse momento, algumas torneiras não jorram mais água. Em muitos lugares as fontes secaram. Em muitos lugares deste planeta estamos nos tornando mais secos e impermeáveis às condições de vida dos que não-tem-água...

Talvez tenhamos não só nos esquecido desses outros sedentos e invisíveis, assim como das crianças de Dafur, do Haiti, do Saara, ou mesmo no meio do Piauí? Quem sabe, estejamos nos tornando menos elementares, embora mais superficialmente amáveis.


Um de meus poetas preferidos, D. H. LAWRENCE, já se pronunciou há muito tempo sobre a necesssidade de sermos ELEMENTARES:
"... Como o homem é feito de elementos,
de fogo, chuva, ar e barro,
e como nada disso é amável
mas elementar
o homem não pende inteiramente para o lado dos anjos.
Quero que os homens recuperem seu perdido equilíbrio
entre os elementos
e sejam mais fogosos ao menos, tão incapazes de mentir
como o próprio fogo
Quero que eles sejam fiéis à variação natural , que nem a água.
que passa da nascente ao vapor e chega ao gelo
sem perder a cabeça...".


Portanto, po-éticamente não somos puros nem anjos. Podemos nos tornar, pelas cristalizações fascistantes, cada dia menos elementares. Precisamos, por isso, refletir sobre o que chamamos de desenvolvimento humanizado e inclusivo.
Há progressos no ar, na terra e no mar. Há novos ventos capitalísticos soprando o nosso tradicional ufanismo brasileiro. Somos capazes de extrair, mais e mais, o ouro negro do fundo do mar, mas não somos capazes de impedir uma devastação de nossas ricas e invejadas fontes de preservação de água.

O nosso país que um dia teve o Rio Amazonas excluído do mapa, no tempo das Capitanias Hereditárias, como questão geopolitica para evitar a sua exploração por outros colonialistas (espanhóis, franceses e/ou piratas a serviço destes), é hoje visto biopolíticamente como o 'reservatório ecológico' do planeta.

Pode ser que a Terra Brasilis, agora de vento em popa no Capital Mundial Integrado, como dizia Guattari, possa inverter o modelo eurocêntrico de cartografia das riquezas e dos tesouros do mundo globalizado. Yes, nós temos ÁGUA!. E se um dia se fizeram expedições, guerras e colonizações por pimenta e especiarias, talvez possamos aguardar a Era da globalização da água.

Mas, mesmo assim há muitos brasileiros e brasileiras que ainda não conhecem água além das cacimbas ou das cisternas. E, então,não podemos nos vangloriar ainda de termos matado todas as nossas próprias sedes. Não podemos oferecer, por mais que se afirme macropoliticamente, um exemplo de desenvolvimento sustentável na distribuição de água. Nossos governantes não se apropriaram, de coração, ainda dessa 'bandeira' que, olhando e indo além do olhar , incentivará um uso ecosófico da água limpa ou potável.

Será que nesse ano dito 'das eleições' veremos algum partido, algum candidato, alguma candidata, algum brasileiro ou brasileira postulante a nos representar, e não nos reprimir, bradando o slogan: EU BEBO ÁGUA SIM, NÓS BEBEMOS SIM, E ESTOU VIVENDO, TEM GENTE QUE NÃO BEBE ÁGUA LIMPA E ESTÁ MORRENDO.

O DIA INTERNACIONAL DA ÁGUA já passou. E como outros dias internacionais teremos de esperar o próximo ano para comemorá-lo ou esquecê-lo. Eu aqui que já tive esse ano, na mesma época do Haiti, a ausência de àgua em minha vida doméstica e tudo o que isso acarreta, lhes digo que, mesmo assim, ainda não aprendemos a fechar o registro ou a torneira. 

Só passamos a valorizar aquilo que perdemos? Não, apenas não nos foi, profundamente, ensinado que uma gota de água contêm um dos elementos vitais para que respeitemos a nossa e, eticamente, a Vida dos Outros.

O novo brado, parodiando o Socialismo ou Barbárie de Castoriadis, poderá ser: ÁGUA PARA O MUNDO no FUTURO OU BARBÁRIE.


Será a água a moeda principal do mundo pós-apocalítico do futuro? O Cinema nos apresenta suas visões e vislumbres futuristas, com heróis, como os Moisés bíblicos redivivos, conduzindo/controlando, biopolíticamente, uma massa sedenta e bárbara, em busca de salvação ou redenção.

O valor político e de controle da água é bem representado nos filmes Water World:O Segredo das Águas (Kevin Costner) e no Livro de Eli (Denzel Washington)... mas será preciso primeiro arrasar a terra, destruir seu potencial verde, doce e aqüifero, para depois descobrirmos que o deserto ou a inundação total produzidos não terão oásis, terra firme, portos seguros e lindos lagos cercados de palmeiras?

Fica a pergunta que me fiz, faço e farei: ÁGUA PARA QUE TE QUERO?

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2010-2011 - favor citar a fonte em futuras reproduções e difusões na Internet, estimulando a multiplicação do texto e das idéias desse autor...e dos autores citados no mesmo.


Fontes:
Foto - Campanha Mundial de Fotografia "Humanizando o Desenvolvimento" - ONU , que tem como um de seus objetivos:
Combate a privação e expansão do acesso a alimentação, água, saneamento, educação, saúde e serviços aos mais pobres.

http://www.ipc-undp.org/photo/index_pt.htm

WORLD WATER DAY http://www.worldwaterday2010.info/

Referências Bibliográficas -
Poemas - D. H. LAWRENCE - Edição Bilíngue do Centenário - Editora Alhambra - Rio de Janeiro - 1985
Capitães do Brasil - EDUARDO BUENO - Editora Objetiva - Rio de Janeiro - RJ - 2006

LEIA TAMBÉM NO BLOG -
O AMBIENTE EXIGE RESPEITO - http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2009/12/ambiente-exige-respeito.html

sexta-feira, 19 de março de 2010

O VIGÉ"SS"IMO PRIMEIRO DIA - CINEMA E SÍNDROME DE DOWN

imagem publicada - foto do filme O Oitavo Dia (1996) onde os atores Pascal Duquenne e Daniel Auteil, nos papéis de Georges, um jovem com síndrome de down, que escapa de uma instituição e Harry, um homem solitário e divorciado, preso nas malhas de seu mundo capital, se abraçam com ternura e amizade, um dos ápices emocionais deste filme de Jaco Van Dormael, comentado abaixo.

Cinema&Síndrome de Down - Homenagem ao Dia Internacional da Síndrome de Down

"O problema é que há pessoas que nem mesmo têm uma oportunidade na vida como a que eu tive. Eu fiz este filme por elas. Sempre me considerei um porta voz, aquele que leva a bandeira do coletivo Down, porque não têm voz. Alguém tem de tê-la e isso coube a mim..."

''El problema es que hay gente que ni siquiera tiene una oportunidad en la vida como la que yo he tenido. He hecho esta película por ellos. Siempre me he considerado el portavoz, el que lleva la bandera del colectivo Down, porque no tienen voz. Alguien tiene que tenerla y me ha tocado a mí.
PABLO PINEDA (ator premiado pelo filme Yó, también - Festival de Cinema de San Sebastián)

Aos 21 dias do mês de Março temos uma data a comemorar, difundir e respeitar. É o DIA INTERNACIONAL DA SÍNDROME DE DOWN que foi criado para para lembrar esta condição humana. É uma data para confirmar as necessárias mudanças de paradigmas, com a urgente demolição de muitos preconceitos. Comento e apresento, homenageando esta data, para os que desejam também um outro olhar sobre Down, o protagonismo e presença que vem crescendo, há alguns anos, de atores-atrizes com Síndrome de Down nas telas de cinema.

Apresento, para os que ainda não conhecem, o meu desejo de que, ao assistir ou ler sobre estes filmes e seus atores, nos estimulemos rumo a uma mudança radical na compreensão de que as deficiências intelectuais compõem uma heterogênea gama de seres humanos e sua diversidade funcional, assim como as demais pessoas. Ou seja que os princípios da Declaração de Montreal sobre as Pessoas com Deficiência Intelectual (Montreal, Canadá, 2004) se tornem os alicerces concretos para esta mudança, onde se declara que: " A deficiência intelectual, assim outras características humanas, constitui parte integral da experiência e da diversidade humana".

O título deste texto também é uma homenagem ao filme o "Oitavo Dia" (L' Hutième Jour - 1996), de Jaco Van Dormael, que revelou, pela primeira vez, um vencedor com deficiência intelectual ao Festival de Cannes em 1996. O prêmio de melhor ator do festival coube à impressionante exibição do ator belga PASCAL DUQUENNE, uma pessoa com síndrome de down, que dividiu o prêmio de melhor ator com o veterano francês Daniel Auteil.

O filme traz um personagem, de nome Georges, que, logo no início comenta a criação do mundo. E, eu aqui de nome parecido e me identificando projetivamente com ele, acho que aí seria ótimo se, no 21º dia de Georges, o Criador tivesse criado somente pessoas diferentes. Seriam pessoas que foram e são associadas com a anormalidade ou a doença. Estes novos seres ou avatares, profundamente, suaves e amorosos, serão apenas singularidades. Nesse dia, em outro filme ainda não realizado, seriam criados os "seres hiper-humanos Down".

O filme Oitavo Dia foi uma das primeiras experiências que realizei na função de um 'ledor de cinema'. Ainda nos tempos em que a Audiodescrição não se firmava, ao promover debates em um Ciclo de Cinema e Deficiência: Um Olhar para Além do Olhar (1998), promovido no Instituto dos Arquitetos do Brasil, no Catete, Rio de Janeiro, pelo DEFNET.

Nesse evento fui o ledor do filme 8º Dia para uma amiga cega, a mineiríssima Elizabeth Dias de Sá, que era uma das debatedoras do filme. Já exercitávamos  então, a acessibilidade como direito no campo do cinema, das comunicações e das imagens, sonhando com Georges um outro mundo e um outro modo de apresentá-lo aos nossos semelhantes, independentemente de suas habilidades ou capacidades.

O personagem Harry, vivido por Daniel Auteil, nos representa, a muitos de nós considerados sem nenhuma deficiência. Ele figura e transmite na tela o homus economicus, com nossa pressa, nossa velocidade, nossas rotinas, nossos distanciamentos, e um quase atropelamento de Georges. Depois desse encontro nasce uma amizade que lhe apresenta um outro olhar sobre as pessoas com síndrome de down. Transformam-se as setas que conduziam o roteiro e rota de um executivo, suas relações humanas, capitalísticas e bancárias do que é Vida, inclusive do seu ato de esquecer dos filhos. Harry, como muitos, sofre com este distanciamento.

E se, no meio de uma chuva decide deixar aquele ser diferente e sua deficiência, é levado na direção de um Outro que lhe perturba por sua singularidade. Ele, assim como nós meio perdido e confuso, viajante das encruzilhadas da vida, onde se encontra e desencontra com os Georges, como habitantes da nossa Babel dos afetos. Demora um pouco para que cada um possa compreender essa nova língua e cartografia afetiva que o Outro nos traz. Eu, se pudesse, apenas escreveria um fim menos doce-mortal para Georges, mas não sei se, para o diretor e roteirista, é e era preciso que a doçura de um desaparecesse para que o Outro pudesse descobrí-la...

Nesse filme premiado, que já se encontra em DVD no Brasil, há uma cena memorável que faz a demolição do preconceito que por muito tempo esteve grudado nas pessoas com Síndrome de Down: ele e elas são os "mongóis", que no filme cavalgam e passeiam nas terras de Mongólia. É a derrocada fílmica de um termo que ainda, lamentavelmente, passeia no mais diversos espaços: eles e elas são "mongolóides", apenas por seu traços faciais lembrarem um povo que também esteve, historicamente, à margem na China.

Não, "não somos mongóis", disse o ator GUILLEM JIMÉNEZ, também premiado por seu desempenho no filme "León y el Olvido" (2004). Este também traz desmitificações sobre o lugar e o papel social de pessoas com síndrome de Down. No filme do diretor Xavier Bermúdez são recriadas as vivências entre dois irmãos, sendo que um deles, León, é uma pessoa com deficiência intelectual. Esta história de dois órfãos traz a questão fraterna para os que têm um irmão com deficiência intelectual. A excelente participação de uma atriz, Marta Larralbe, interpretando Olvido (que em espanhol é esquecimento) que deseja ambivalente, por exemplo, que Léon seja internado, incrementa um conflito entre eles. O personagem trará ao público a tenacidade de Léon, como um irmão cujo maior desejo é apenas viver com a irmã, como muitos dos que vivenciam esta condição.

Para ampliar as possibilidades de protagonismo de atores com Síndrome de Down somente a Concha de Prata no Festival de Cinema de San Sebastián, onde o ator espanhol PABLO PINEDA, foi a estrela maior. Ele, como ator, ainda corou uma grande e magnifica parceria com a atriz espanhola Lola Duenas em um dueto de amor e afeto. Eles constroem uma dupla amorosa em Yó, También (2009). Uma alegoria das dificuldades de encontrar o amor, na qual apenas um ser despojado do temor de revelar seu desejo e intensidade pode ajudar a uma mulher, considerada normal, caminhar em direção à descoberta da imprescindibilidade do Outro em nossas vidas.

O filme de Álvaro Pastor e Antonio Naharro chegou a superar o recente premiado filme argentino "O Segredo de Seus Olhos", Oscar de filme estrangeiro, com a premiação dupla de Pablo e Duenas nesse festival. Tudo graças à comentada e vibrante atuação de Pablo Pineda. Ele, após ser premiado, afirmou carregar, com dedicação e orgulho, a bandeira de equiparação de oportunidades para os que outrora foram e ainda são considerados, inclusive por muitos profissionais, 'débeis mentais', ou pior ainda de "oligofrênicos", ou seja dotados de "pouco espírito ou inteligência" .

Por fim lhes apresento TÓMAS DE ALMEIDA que dividiu o prêmio de melhor ator do Festival de Cinema do Mundo de Montreal (2007) com Filipe Duarte, no filme "A Outra Margem". Ele, mais um ator com Síndrome de Down, surpreendeu e mereceu o prêmio por sua interpretação de um adolescente que ajuda a um travesti a reencontrar o caminho para a alegria. O filme já foi exibido em circuito de cinema comercial e Mostra de Cinema de São Paulo no Brasil. O filme tem como proposta criar uma terceira margem para além do pressupostos e constructos da "anormalidade/normalidade" e dos estigmas que ambos vivenciam.

Mais um filme que nos instiga a querer e desejar ir além do preconceito, morador de nossos subterrâneos, e buscar a confrontação e auto-crítica para todos os que se consideram "normais" e "sem defeitos". Ao abordar a homossexualidade, que preferiria chamar de homoerotismo do personagem, neste filme, como também na realidade, muitas vezes o principal motivo de depressão e de rejeição do personagem vivido por Filipe Duarte. E comprovar a existência da marginalização da diferença, o diretor Luis Filipe Rocha nos instiga a refletir que, junto com a Síndrome de Down, ainda estamos exilando pessoas para uma outra margem do viver.

Enfim, quisera ter a alegria de alguns cineastas e não ser, diante desses homens, apenas um espectador. Quisera estimular um cinema e um filme imaginários onde pudéssemos reunir os quatro atores citados: Duchenne, Jimenez, Pineda e Almeida em uma mesma película. Talvez aí se produzisse uma obra fílmica inédita, mesmo que em formato de documentário, que nos servisse para uma profunda reflexão acerca do quanto já promovemos de marginalização, exclusão e segregação das deficiências intelectuais.

Um filme, à moda do longa-metragem "Do Luto à Luta" (Evaldo Mocarzel - 2005), onde a minha/nossa implicação fôsse(m) pura força e intensidade amorosa, transversalizada pelo desejo de um outro mundo, uma Outra Cena, um outro The End para o Futuro de todos nossos filhos e filhas. Para além quaisquer de nossas Diferenças. Com certeza não poderia ser um 'filme perfeito'...

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2010-2011 ad infinitum- atualizado em 09 de março de 2023 - todos DIREITOS RESERVADOS - para republicação solicitamos respeitar o texto e comunicar ao autor.


DECLARAÇÃO DE MONTREAL SOBRE OS DIREITOS HUMANOS DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (MONTREAL - 2004)http://www.defnet.org.br/decl_montreal.htm (tradução livre Dr. JorgeMárcioPereiradeAndrade)

PASCAL DUCHENNE - O 8º DIA

GUILLEM JIMENEZ - LEÓN Y OLVIDO

PABLO PINEDA - Yó, También

TÓMAS DE ALMEIDA - A OUTRA MARGEM

Do Luto à Luta (Evaldo S. V. Mocarzel)

VEJAM A PROGRAMAÇÃO PARA O DIA INTERNACIONAL DA SÍNDROME DE DOWN NO BRASIL -
AGENDA DE ATIVIDADES/EVENTOS
"INCLUSÃO SOCIAL - VAMOS FAZER ACONTECER" em:

https://fbasd.blogspot.com/2010/03/inclusao-socialvamos-fazer-acontecer.html
BLOG DA FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE SÍNDROME DE DOWN DO BRASIL

LEMBRETE - DIA 21 DE MARÇO É O DIA INTERNACIONAL DA ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL

LEIAM TAMBÉM NO BLOG -

 AOS MEUS "COLEGAS", INTOCÁVEIS E INDEPENDENTE - O CINEMA REVERENCIA AS DEFICIÊNCIAS 

01 NEGRO + 01 DOWN + 1 POETA = UM DIA PARA NÃO ESQUECER DE INCLUIR 
https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/03/01-negro-01-down-01-poeta-01-dia-para.html

Texto também publicado no InfoAtivo DefNet 4370 - Ano 14 - março de 2010

domingo, 14 de março de 2010

A MÚSICA QUE ENCANTA DEPENDE DOS OLHOS?


imagem publicada - foto do grupo de músicos e de Prudence Mabhena, todos negros, que compõem a banda LIYANA, composta somente por pessoas com deficiência no Zimbáue (vejam ou leiam a composição dela abaixo), e hoje podem se tornar um sucesso internacional após premiação do documentário que os apresentou ao mundo.



A MUSICA QUE VEM DA IM-PRUDÊNCIA e da RE-EXISTÊNCIA...

Estes dias me vieram à mente algumas interrogações. Surgiram quando vi uma mulher negra, sentada em um dos cantos, ao fundo do local onde se entregavam os Oscars em Hollywood. Era a mulher cuja foto publiquei, no último texto do blog, em homenagem aos mundos úteros que se multiplicam no feminino. Era PRUDENCE MABHENA.

As perguntas surgiram ao ler sobre a sua vida transformada pelo cinema, com um curta metragem que ganhou o Oscar de melhor documentario de 2010. Este é apenas, o resumo em 32 minutos de uma vida intensa. É o documento de uma música transformando em 'estrelas de cinema' as duras realidades africanas, com um belo trabalho cinematográfico pelo diretor norte-americano, Roger Ross Williams ... Sim, ao ver Prudence eu via o nascer de mais uma estrela brilhante. Só que no meu céu de poesia e arte da re-existência.

Essa mulher nasceu no Zimbáue, um dos países africanos, assim como Dafur, que pagam o duro preço do colonialismo e da rejeição/negação pelo resto do mundo considerado civilizado.Vocês podem refletir sobre isso procurando sobre o recente massacre genocida ocorrido naquele mundo de onde viemos todos. Lá se confirmam as relações entre a pobreza extrema e a máxima exclusão de pessoas com deficiência.

Me veio ao olhar ela sentada na cadeira de rodas, ao fundo, a interrogação se não precisamos de um outro OLHAR, um olhar diferente, quando alguém com artrogripose ganha, mesmo que indiretamente, um prêmio cinematográfico, mas continua no fundo do auditório do mundo?

Pensei com os meus botões, que não são poucos, por qual dos estigmas/estereótipos a deixaram lá trás, no fundo? Foi por sua condição física e existência em uma cadeira de rodas? Pela inacessibilidade do palco? Por sua condição de africana, o que é risível? Ou seja a noite não era do cinema dos negros? Já haviam premiado a Mo'Nique, que provou ser muito mais que uma simples comediante? Já não bastava a visível e inevitável presença de 'Precious' Gabourey diante das câmeras e no tapete vermelho? e se as duas "subissem'" até o palco, Prudence e Sidibe?

E, se: the winner is... two black women, duas mulheres negras de uma só vez com a estatueta na mão? Uma "excessivamente gorda" e outra "excessivamente deficiente"? E quem foi receber a estatueta do Music by Prudence também era um negro, porém era o diretor de cinema que a Academia devia e deve estimular, como uma cota? Esse era o ano de premiar o feminino e sua diferenciada posição na Academia de Cinema? Esta academia precisa sempre de um prêmio dirigido às questões de pessoas com deficiência, como já o fez com King Gimp?

Não, não era nada disso... talvez? Quem sabe, apenas tenha sido porque, mesmo cotado, o documentário Music by Prudence, dependia dos bastidores da chamada Academia de Cinema. E sempre há outros concorrentes de peso, com outras mensagens de interesse politico ou ideológico. Ganha quem a academia decida ser o melhor para o cinema enquanto indústria. O cinema entrenimento e não necessáriamente o cinema que, como dizia Edgar Morin, possa gerar reflexão e mudanças através de um diálogo reflexivo. Afinal somos os espectadores que sonham e que desejamos sonhar. Em alguns filmes com outra realidade possível.

Music by Prudence é a própria afirmação de uma música/revelação que vem da Im-Prudência. É um relato curto e simples de uma complexa e rica vida. É a vida de uma negra africana que 'sofre de artrogripose', que nasce em um país onde os "que exibem defeitos" fisicos são excluídos por questões fundadas na crendice e na ignorância.

Eles ou ela são malignos de nascença. Além disso foi muito maltrada, chegando a ser deixada e jogada ao chão pela madrastra, no meio de sua própria urina, até ser resgatada para uma entidade, a KG6. Nesse espaço, uma escola e centro para crianças com deficiência física ela ira provar que há uma resposta para a minha indagação, ligada a texto que já publiquei no blog, em 12 de fevereiro: a Musica que educa depende dos olhos?

Afirmo, ao conhecer a história de vida de Prudence, que a Música que Educa e Encanta não depende só dos olhos ou dos ouvidos. Compreendi que teremos ainda de nos despojar de muitos preconceitos que se constroem com os nossos próprios olhos ditos videntes. Eu vi e revi a Prudence no fundo do auditório. Mas ainda não via a Prudence e sua resiliência. Ela sobreviveu até à idéia de se suicidar, duplamente. Primeiro se matando e depois matando, dentro de si, a música que aprendera a cantar com sua avó materna.

Você(s) precisam de outros olhos para se encantar(em) com a Música? Então fechem os olhos prudentes e abram outros sentidos para a escuta amorosa desses Outros que nos surpreendem com suas músicas. Primeiramente lhes apresento uma mulher, como continuidade do que já estive dizendo sobre ela e sobre mulheres com deficiência. Escrevo-lhe(s) avisando que esta Música vem da Im-Prudência ou melhor daquela que soube resistir, re-existir e se implicar com outros sujeitos, em busca de uma outra cartografia para sua existência. E isso é contagiante.

O que acontece se juntarmos um grupo de músicos e compositores? Mas, como aconteceu, se todos forem pessoas com suas funcionalidades e habilidades corporais prejudicadas? Podemos, provando a capacidade de superação, quando as oportunidades são equiparadas, ter aí uma orquestra, um conjunto musical ou então uma BANDA? É isso que Prudence Mahbena conseguiu ao reunir os seguintes músicos:

Prudence Mabhena - Cantora e Compositora (é uma pessoa com artrogripose)

Tapiwa Nyengera - Backing vocal e teclados (vive com espinha bífida)

Energy Maburutse - toca marimba e faz parte do backing vocal (tem osteogenesis imperfecta , conhecida com síndrome dos ossos frágeis) 

Honest Mupatse - toca marimba e percussão( tem hemofilia)

Marvelous Mbulo - backing vocal (tem distrofia muscular) 

Vusani Vuma - toca baixo e marimba (é surdo)

Goodwell Nzou - toca tambores tradicionais e faz backing vocal (tem uma amputação de membro inferior- perna)

Farai Mabhande - tecladista principal (é uma pessoa com artrogripose)


QUEM IMAGINA QUE ESTOU FAZENDO PROPAGANDA DE PRUDENCE NÃO ESTÁ ERRADO. ACERTOU. ELA MERECE UM EXCELENTE TRABALHO DE DIFUSÃO DE SUA ARTE E DE SEU TRABALHO COMO COMPOSITORA, ARTISTA E BAND LEADER; POR ISSO OS CONVIDO A AGUARDAR O DOCUMENTÁRIO, MAS ANTES OUÇAM AO MENOS UM PEDACINHO DE SUA MÚSICA IMPRUDENTE E CONTAGIANTE NO SITE: WWW.MUSICBYPRUDENCE.COM

E, se quiserem conhecer o que já antecedeu a Prudence no universo musical da mama Africa escutem e se deliciem com o som de SALIF KEITA, um músico e cantor de MALI, que já é respeitado e tem alguns Cds à venda no Brasil.

Em tempo, Salif Keita é albino e faz um belo trabalho para ajudar o SOS ALBINO. Ele também passou pelas agruras de ser rejeitado, pelo albinismo, como alguém que tinha poderes malignos. Talvez tão malignos que sua música e arte hoje são divulgados no mundo todo.
Ouçam a chamada voz dourada da África: http://www.lastfm.pt/music/Salif+Keita ...


Fontes:
http://en.wikipedia.org/wiki/Music_by_Prudence
http://www.musicbyprudence.com/characters/


HOMENAGEANDO, TAMBÉM, NOSSOS MÚSICOS E COMPOSITORES COM DEFICIÊNCIA LEMBRO, mais uma vez, O LANÇAMENTO DO CD "TODOS SABEM" de João Tomé que é interativo com partituras em PDF e em BRAILLE, com músicas de 1940 a 1966 (composições produzidas em Brasília).

João Tomé (1920 - 1971) foi um excepcional músico, autodidata que ao longo de sua vida sonhou em divulgar suas obras. Conforme afirma o jornalista Silvestre Gorgulho: " João Tomé nasceu cego. Não se entregou. Manteve firme a vontade de aprender, foi multiinstrumentista e compositor de mais de 800 músicas. Deu ao Brasil um presente fantástico: pioneiro na Rádio Nacional e Escola de Música de Brasília. Morreu aos 51 anos e deixou uma herança para toda a humanidade."

Para esse jornalista, e concordo, nos tornamos sem a capacidade de ver para além do olhar quando deixamos de ousar....

PRUDENCE, SALIF E TOMÉ demonstram que há seres humanos que não são fáceis de convencer e demover de suas im-prudências. Seriam os sujeitos que para além de suas deficiências, entendidas como limites e/ou limitações vitais, NÃO as tornam em si mesmas um impedimento ou barreira para a ARTE e sua generosidade.

INFOATIVO DEFNET 4364 - ANO 14 - Março de 2010

Informações sobre o CD TODOS SABEM
http://www.samba-choro.com.br/noticias/arquivo/23813

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2010-2011 ( favor citar as fontes em multiplicação e difusão livre desta matéria e das informações nela contidas)

segunda-feira, 8 de março de 2010

TODO ÚTERO É UM MUNDO ...


Imagem publicada- Foto de Prudence Mabhena, 20 anos de idade, que é uma cantora e compositora natural do Zimbábue que nasceu com uma séria deficiência física. Ela tem de enfrentar várias barreiras e o fato de que as deficiências são vistas no país como feitos de bruxaria. Por isso mesmo a jovem muitas vezes preferiria se manter escondida a aparecer em algum palco como uma verdadeira artista. O documentário Music By Prudence (Oscar de melhor Documentário/Curta - 2010) ainda revela as agruras e estigmas que as crianças com deficiência vivenciam no Zimbábue. Uma mulher negra sentada em uma cadeira de rodas que agora irá encantar o mundo, e também tem um útero musical que não pode ser silenciado.

InfoAtivo DefNet - Nº 4359 - Ano 14 - março de 2010

“ Segundo o dicionário, o útero é o lugar onde qualquer coisa é concebida ou trazida à vida. No meu entender, não existe nada exceto útero. Ao todo, há o útero da Natureza; depois há o útero materno; e finalmente há o útero em que em que se situa a nossa vida e o nosso ser a que chamamos de mundo...”. Henry Miller (A Sabedoria do Coração)

O Dia Internacional da Mulher deve ser comemorado também como o dia de algumas mulheres, que, erroneamente, alguns consideram "especiais", principalmente porque até bem pouco eram invisíveis. Falo e escrevo sobre e para mulheres com deficiência. Estas mulheres estiveram muito tempo associadas à ideia heredológica, ou seja de eugenia, herança e de doença aplicada às deficiências. 

Conheçam a "família Kallikak". Eram elas que, segundo essa lógica, transmitiam genes defeituosos ou geravam os seres considerados 'anormais', sempre como oposição do bom, do normal e do belo. Além do estigma da deficiência elas tinham de enfrentar, duplamente, os estereótipos e discriminações que estiveram colados, transculturalmente, ao gênero feminino.

Me lembro de quando apresentava em palestras, há alguns anos atrás, o documentário da HBO - Without a Pity: a film about Abilities, o Sem Piedade, nos tempos das fitas VHS, onde uma mulher com paralisia cerebral casava-se, tinha vida sexual, frequentava (apesar dos preconceitos) uma universidade, era cuidada pelo marido,e, por fim engravidava e tinha uma filha.

Neste documentário podia se demonstrar a possibilidade dela 'cuidar' sozinha de sua filha Tereza, com todas as dificuldades. Esta cena causava o espanto e a surpresa de muitos. Algumas interrogações me faziam ter de re-explicar que a Paralisia Cerebral não é e não era uma doença transmissível. Esclarecer que a mãe não tinha um útero potencialmente defeituoso.

Ela não deixava de ser um corpo feminino pelo fato de ter sua vida motora modificada pela anóxia que sofreu ao nascer. E mais ainda dizer que a filha não teria nenhuma deficiência, apesar de seu parto ter sido a fórceps, já que as paralisias cerebrais podem se causadas por traumas obstétricos. E mais ainda que o fato de uma mulher com paralisia cerebral ter uma filha isso não tornava mais especial que todas as outras mulheres sem deficiência. Era apenas uma mulher. Uma mulher uterinamente igual às outras mulheres do mundo. Para além dessa redução.

Em 08 de março de 2008 prestei uma homenagem às mulheres com um texto que interrogava: o Mundo é um útero?. Neste texto afirmei a necessidade de um resgate da suavidade no feminino, aproximando mais uma vez a Gaia, a Terra do corpo: " das fêmeas-mulheres-lunares-que-menstruam, aquelas tão bem homenageadas por poetisas, como Cora Coralina e Elisa Lucinda, deveríamos realizar a necessidade de uma intensa afirmação de nosso mundo-útero, de nossa Gaia em ameaça e devastação, ora gritante ora silenciosamente. Afinal todos temem transformar nossa ‘mãe-terra’ em nosso aprisionante túmulo futuro, mesmo que não reconheçam".

Hoje após tantos tremores, inundações, transbordamentos, devastações e ventos arrasadores, precisamos continuar desejando um outro mundo possível, bioéticamente, para homens, mulheres e todos os seres vivos. É urgente e vital mantermos ativo o desejo de produção de vida e de criatividade. Como nos avisou, poeticamente, Walt Whitman dizendo que "só desdobrado das dobras de uma grande mulher está por vir e nascer um grande homem". 

E, tristemente, reconheço que ainda não vislumbramos este nascimento. E o digo pelo fato de ainda estarmos nos negando a produção de uma nova suavidade nos encontros com o feminino, com o devir-mulher. E há mulheres que, por suas singularidades e diferenças, exigem mais ainda um outro e novo olhar para o nosso futuro. Elas trazem muitos mundos novos em seus úteros, ou além deles, no seu corpo vibrátil.

Há mulheres que, independentemente, se estiverem em cadeiras de rodas, sejam surdas ou com bengalas brancas e/ou com diversas estaturas, dimensões ou formas dos corpos diferentes, comprovam que todo útero é um mundo. Um mundo muito mais amoroso e amável. Um mundo onde as tormentas e as violências cessam e cedem lugar para a criação, para a poesis.

 Elas vem surpreendendo o mundo que acredita somente na uniformidade, no utilitarismo e individualismo. A sua generosa vivência da maternidade e dos afetos nos dizem que o mundo é muito mais uterino e que ele, apesar de nossos descuidos, mantêm-se gerador de vidas. Porém, não são apenas úteros mas sim corpos-vida que nos ensinam a sabedoria da não-segregação e das potências geradoras de um futuro menos triste, menos isolador, mais humanista e mais inclusivo.

Todos úteros são, por sua incomensuráveis e imprevisíveis possibilidades, múltiplos devir-mundos, e devemos também homenagear as mulheres e mães com deficiência, assim todas as outras que comprovam que o Planeta Terra, como o corpo feminino contêm tudo, a ele não falta nada, pois a elas, que não são castradas, segundo o poeta Walt Whitman, devemos dedicar esta exortação-poema em seu 
'Canto ao Corpo Elétrico':

"...Não se envergonhem, mulheres ... seu privilégio é conter o resto... ser a saída para o resto,
Vocês são os portais do corpo e são os portais da alma.
A fêmea contém todas as qualidades e as temperam ... está no lugar certo...se move em perfeito equilíbrio,
Ela é todas as coisas devidamente veladas... passiva e ativa ao mesmo tempo...
ela é que gera tanto filhos quanto filhas, tanto filhas quanto filhos..." 

(Folhas da Relva)

VOCÊS PODEM GERAR TAMBÉM UM OUTRO MUNDO, OUTROS MUNDOS, OUTRAS SUAVIDADES... para além de todos os úteros visíveis, biológicos ou autorizados.

PS.
E uma doce e suave BRISA nos levou Johnny Alf para encantar o mundo com sua saudade... e muita bossa.

(copyright jorgemarciopereiradeandrade 2010/2011 - favor indicar a autoria na multiplicação livre e através de veículos de comunicação de massa)

FONTES - DIA INTERNACIONAL DA MULHER - histórico
http://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_Internacional_da_Mulher
http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/datas/mulher/home.html

MUSIC BY PRUDENCE - Diretor Roger Ross Williams
http://www.musicbyprudence.com/film/

FAMÍLIA KALLIKAK - eugenia e heredologia
http://topicosemautismoeinclusao.blogspot.com/2009/05/entre-jaulas-e-exclusoes.html

WITHOUT A PITY: A FILM ABOUT ABILITIESS - documentário - Exibido na HBO-Brasil em 1997

http://www.chrisreevehomepage.com/m-withoutpity.html

LEIA TAMBÉM NO BLOG -
EUGENIA - COMO REALIZAR A CASTRAÇÃO E ESTERILIZAÇÃO DE  MULHERES E HOMENS COM DEFICIÊNCIA -
http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2013/01/eugenia-como-realizar-castracao-e.html

MULHERES, SANGUE E VIDA, PARA ALÉM DE SUA EXCLUSÃO HISTÓRICA

http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/03/mulheres-sangue-e-vida-para-alem-de-sua.html 

terça-feira, 2 de março de 2010

GRACIAS A LA VIDA EN EL CHILE


imagem publicada - uma mulher olha e segura a Terra com as duas mãos, garantindo que possamos buscar um outro olhar ecosófico para com nossa Terra mãe.

- Nas águas de Março, quando a Terra ainda é trêmula...

O Haiti nos avisou. O Chile nos alerta mais um pouco. A terra continua se movendo, sob nossos pés, como um bicho que se move sob a areia. E nós precisamos nos lembrar de nossa frágil, ora triste, ora alegre e bárbara figura sobre ela. Ao menor ruído de seu ventre e mudanças de suas placas tectônicas, nós viramos frágeis corpos que temem e tremem com a GAIA.

Estou me lembrando de dois nomes poéticos e vivos em meu coração. Os dois ecoam o Chile em minha própria história, sendo ecos de um tempo em que poesia tinha caráter militante e de revolta. Me lembro primeiro de uma mulher que nos legou uma das mais belas canções latino-americanas: Gracias a la Vida.

Me refiro a Violeta Parra (Violeta del Carmem Parra Sandoval), uma artista quase completa, indo da música, como compositora e cantora, até às artes plásticas como ceramista. A ela associamos, os que viveram os Anos de Chumbo das Américas Latinas amordaçadas por ditaduras e outras violências políticas institucionalizadas. Muitos cantaram Gracias a La Vida como um hino de resistência e de resiliência diante dos muitos momentos de tristeza ou frustação gerados nos anos 70.

Violeta foi uma madre chilena que nunca se afastou de seus dois filhos, e só abandonou a vida pela dupla decepção com o seu projeto não realizado de um espaço comunitário e rico, assim como um amor pleno de paixão. Uma tenda comunitária, onde a cultura e o folclore do povo chileno seriam e teriam sua própria vida. Um amor que não se cansasse de amar e de cantar a vida. Sua memória é um bom lembrete para o caminho rumo ao Dia Internacional da Mulher que se aproxima. Ela cantou e recantou a Vida.

Mas para cantar a terra, o charco, o deserto e também o momento de terra trêmula do Chile é preciso convocar outra paixão poética: Pablo Neruda. Ainda não vi ou ouvi ninguém lembrando que a terra que agora foi, novamente, arrasada pelo terremoto e os tsunamis é a pátria deste homem e da mulher cantante. E não posso deixar de lembrar uma poesia, traduzida por Thiago de Mello, que tenho em um velho ( e guardado a sete chaves) livro de ANTOLOGIA´POÉTICA de Neruda.

A VOCÊS E AO POVO DO CHILE dedico este espaço, pedindo licença ao homem do Chile que confessou ter vivido, para espalhar seu canto e poesia:

QUANDO DE CHILE (Pablo Neruda)

Ò Chile, larga pétala
de mar, de vinho e neve,
ai quando
ai quando e quando
e quando
me encontrarei contigo
me enrolarás tua fita
de espuma branca e negra na cintura,
desencadearei minha poesia
sobre o teu território...
...Existem homens,
Metade peixe, metade vento,
outros homens existem feitos de água.
Eu estou feito de terra.
Vou pelo mundo
cada vez mais alegre:
cada cidade me dá VIDA NOVA. O MUNDO ESTÁ NASCENDO...
...Ai pátria sem farrapos,
ai primavera minha,
ai quando
ai quando e quando
despertarei nos teus braços
empapado de mar e orvalho...


Posso então Volver a los 17..., e quem sabe sofrer de outros Tremores e Temores
. Meu momento é de cantar a vida, para além da imobilidade e das restrições e sofrimentos ou penúrias. É o momento de um CANTO GERAL, que ecoe sobre toda a Terra. Um canto lembrando Parra/Neruda e seu desejo que o Chile não volte aos seus anos de Pinochet ou de opressão, avançando na direção de uma nação/povo que saiba também renascer de seus próprios escombros...

E se, na minha imaginação, Neruda pudesse ser o Carteiro de Violeta..., a história de amor à vida desta sensível poetisa e cancioneira poderia ter outro desfecho?

E O HAITI CONTINUA PRECISANDO DE UM MOVIMENTO VIVA O HAITI VIVO... e eu canto GRACIAS A LA VIDA EN EL CHILE,,,

(jorgemárciopereiradeandrade copyright and left ad infinitum, todos os direitos reservados)

FONTES:
VIOLETA

https://pt.wikipedia.org/wiki/Violeta_Parra
GRACIAS A LA VIDA = MERCEDES SOSA -
https://www.youtube.com/watch?v=WyOJ-A5iv5I
PABLO
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pablo_Neruda
https://www.fundacionneruda.org/
O Carteiro e o Poeta
https://pt.wikipedia.org/wiki/Il_postino

publicação do INFOATIVO DEFNET 4355 - Ano 14 

Antologia Poética - Pablo Neruda - Editora Letras e Artes - Rio de Janeiro - 1964 ( tradução Thiago de Mello)

LEIAM TAMBÉM NO BLOG -
OS DESASTRES, OS HAITIS E AS SERRAS NO HIPERCAPITALISMO https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/01/os-desastres-os-haitis-e-as-serras-no.html