sexta-feira, 23 de setembro de 2011

CRIANÇAS SÃO MORTAIS! - O Suicidado pedagógico


Imagem publicada - a foto publicada na mídia da frente da Escola Alcina Feijão. Tem um faixa estendida que traz a seguinte frase: Parabéns, Alunos, Professores e Equipe, pela classificação honrosa: 1º Lugar das escolas públicas de São Paulo no ENEM 2010. Lá, em escala"menor", a tragédia de Escola de Realengo se reproduziu... E um cartaz anuncia que AS AULAS ESTÃO SUSPENSAS... (Foto de Raphael Prado G1)


"... A criança que não fala não conhece a morte, conhece a ausência." (Ginette Raimbault, L'Enfant et la mort, 1977)

Mais um. Mais um aluno revela o quanto precisamos aprender um simples lição: as crianças são mortais. Morte, ou melhor a Dona Morte como a tenho intimamente chamado, é um episódio que afeta profundamente às crianças. E, no nosso silêncio-tabu, não deixamos de matá-las, violentá-las e, mesmo inconsciente e filicidamente, ajudá-las a cometer o suicídio. Negando-nos à aceitação de que as crianças também morrem...


Em São Caetano do Sul, uma escola que tem nome finalizado em feijão, me trouxe de volta ao tema de outros posts do blog. Primeiramente por saber de uma trágica situação de um menino que se suicida (ou é suicidado?), com o 38 de seu pai, após atirar em sua professora. Não irei indagar o que o motivou, já estão afirmando-o uma criança com deficiência física, que mancava e que sofreu bulliyng dos colegas.


A interrogação que nos deverá assolar é: andamos, coletivamente, praticando uma pedagogia da violência? Segundo matéria publicada: a coordenadora pedagógica da Escola Municipal Altina Dantas Feijão, de São Caetano do Sul, região do ABC Paulista, disse nesta sexta-feira acreditar que jamais será descoberto o motivo pelo qual um aluno da escola baleou uma professora para depois se matar.

Ela o descreve como um aluno como uma criança doce, não se envolvia em bagunça - tampouco era quieto demais - e cumpria regras. "A gente via ele brincando, mas nunca em brigas, em confusão ou bagunça".

Aí me pergunto se no perfil do suicidado estará também a pergunta de seus motivos autodestrutivos tão intensos. Estaria o aluno calmo e de boas notas arquitetando há muito tempo como Wellington uma "vingança ou revanche"? Não teremos todas a certezas e nem devemos, onipotentemente, almejá-las. Podemos sim, mas uma vez, com humildade, refletir sobre a mortalidade infantil e o quanto nossas crianças são mortais?

Morrerão ainda muitas caso nossas ações em sua proteção e defesa, intransigente, não for realizada. Morrem, a granel, inclusive no chifre da África ou no Haiti ou nos confins do Brasil, pelos olhos vendados de nosso mundo, um mundo que, como já disse, prioriza os direitos econômicos nessa hora urgente de defesa dos demais Direitos Humanos. 

Nos diálogos sombrios ou metafísicos que tenho de travar com a Dona Morte, nos últimos tempos, andei refletindo sobre a Criança e a Morte. Fui buscar a releitura de Ginette Raimbault. Esta leitura foi realizada há muitos anos atrás quando trabalhei com um grupo de profissionais de saúde a terminalidade da vida. Era um trabalho no Hospital Geral de Bonsucesso, com crianças com um câncer renal inexorávelmente fatal. 

O livro nos traz uma fala das próprias crianças sobre a clínica do luto. Desnudam-se nossos temores diante da Dona Morte. As crianças, com doenças terminais, diante do silêncio dos adultos sobre o tema, não o temem. Pelo contrário mostram com clareza a capacidade que têm reconhecer sua doença, portano a nossa ''mortalidade''.

Recomendo que resgatem essa obra da psicanalista, sua leitura poderá abrir espaço para o mínimo diálogo íntimo com nossa própria transitoriedade e finitude. E, nossos recônditos lutos ou temores da perda, poderão ser melhor compreendidos...

Quanto a escola deste menino e desta ferida pedagogia caberá, para além de um suporte psicológico imediato, uma profunda e séria reflexão sobre os modos éticos e bioéticos do processo de aprendizado sobre o valor da vida e sua vulnerabilidade.

Lá, espero eu, poderá, como em Realengo, vir a ser um foco de revolução molecular sobre a educação para e sobre os Direitos Humanos. Um tema que insisto deverá fazer parte viva e ativa de todos os currículos escolares, do ensino fundamental até às pós-graduações. Nesses muitos anos de aprendizado ainda faltarão muitos outros para que o respeito à Vida e ao Outro se consolidem.

O nome do suicidado é/era Davi, como os mesmos 10 anos de minha filha Isadora. Por, ela e todos que merecem um Outro Mundo Possível é que continuarei indagando: - Diante de novos Davis, armados ou não, nós somos/seremos seus Golias, tirânicos, disciplinadores e imperialistas, a serem derrubados com uma pedrada ético-política vinda da Palestina ou da Somália? Temos de cuidar para que as escolas permaneçam o lugar da diferença, e não se tornem novos campos de disciplinamento de corpos ou Vidas Nuas.

Descanse em paz, então este Davi, lá no Cemitério das Lágrimas, pois não podemos "descansar", enquanto existirem outros a serem menos vulnerabilizados e violentados. Ainda temos de construir um outro modo, ético, político e estético, para a(s) vida(s), pequenas ou maiores, de cada criança que habita o planeta Terra.

Lembrem-se: as crianças são mortais. Mais ainda se as armamos com nossas piores desatenções. Hoje no muro da escola estava escrito: uma criança chora e os pais não vêem. Escutemos em nós as nossas próprias crianças e suas vulnerações. Uma criança que é imortal em cada um(a) de nós...


Copyright jorgemarciopereiradeandrade 2011-2012 (favor citar a fonte em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa)

Leitura indicada: A Criança e a Morte ( Crianças doentes falam da morte: problemas da clínica do luto)- Ginette Raimbault - Editora Francisco Alves, Rio de Janeiro, RJ, 1978

Notícias citadas:


SP: nunca saberemos motivação de aluno atirador, diz pedagoga http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5368220-EI5030,00-SP+nunca+saberemos+motivacao+de+aluno+atirador+diz+pedagoga.html

Aluno de 10 anos atira em professora em escola de São Paulo http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/sp/aluno-de-10-anos-atira-em-professora-em-escola-de-sao-paulo/n1597223769645.html

Namorado diz que professora baleada não se queixava de aluno
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/09/garoto-era-aluno-exemplar-diz-professora-namorado.html

LEIA TAMBÉM NO BLOG:

O SUICÍDIO E A DOR - https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2015/09/o-suicidio-e-dor.html

TIROS REAIS EM REALENGO - A VIOLÊNCIA É UMA PÉSSIMA PEDAGOGA? - https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/04/imagem-publicada-imagem-de-bracos-e.html

AOS PAIS QUE APRENDERAM COM A(R) DOR AS PERDAS - http://infoativodefnet.blogspot.com/2011/08/aos-pais-que-aprenderam-com-ar-dor-as.html

A TOLERÂNCIA É MAIS QUE UM BACALHAU NO MEU FEIJÃO COM ARROZ - https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/07/tolerancia-e-mais-que-um-bacalhau-no.html

O JUQUINHA E SUA CADEIRA - POR UMA EDUCAÇÃO DIFERENTE - http://infoativodefnet.blogspot.com/2011/07/juquinha-e-sua-cadeira-por-um-educacao.html

A AMIZADE COMO ALICERCE DA INCLUSÃO ESCOLAR - Saindo das fraldas? - https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/07/amizade-como-alicerce-da-inclusao.html

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A DIFERENÇA NOSSA DE CADA DIA, SEMEANDO A IGUALDADE DE DIREITOS


Imagem publicada - A foto colorida de uma escultura em formato de uma grande gota de água, pintada em cores vibrantes, com o título: A GOTA DA VIDA, que foi desenhada por alunos da Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral (APPC), em Coimbra, Portugal, com um sol amarelo e sorridente ao alto, montanhas multicoloridas, gotinhas que curtem essas belezas, uma árvore verde com frutos vermelhos, flores diferentes e de cores diferentes, e um mar azul com peixes multicoloridos em amarelo, verde, violeta e vermelho. Uma criação de pessoas com deficiência na comemoração de mais um dia importante para a preservação da vida no planeta Terra. Quem sabe um desejo ou aspiração, para além de nossas ''deficiências'', do mundo que todos deveríamos construir...

Enfim a Primavera. Comemoramos cada flor dos ipês e das muitas árvores que nos sensibilizam em seu dia. Abrem-se os coloridos cenários, como a Gota da Vida, que nos encantam. As diferenças ficam vivazes nas cores diferenciadas de cada flor, em cada árvore. Será que as outras primaveras que comemoramos em 21 de setembro também são multicoloridas? Estaremos todos reconhecendo na diversidade das nuances em cada pétala, folha ou caule; a mesma e criativa diversidade que nos compõem como seres humanos?

Não estou ''naturalizando'' nossas diferenças a partir da Natureza. Estou buscando alguma forma de aplicar essas mesmas visões multicoloridas em temas mais complexos que hoje se comemoram: o Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência, o Dia da Àrvore, o Dia Mundial para não esquecer do Alzheimer, Dia do Fazendeiro, Dia Internacional da Paz, Dia para a votação da Emenda 29 (Saúde) e um dia para não esquecer da nossa História: a merecida e indispensável Comissão da Verdade.

E o que estará transversalizando estes eventos? Será que estamos em um alvorecer de uma nova Primavera dos Direitos Humanos? Ou apenas nos "iludimos" em um tempo de hiper-visão do mundo capitalista?

Estamos, como espectadores ou espec-atores, em mais uma data para comemorar ou para lembrar da Diferença? Desejo, sinceramente, que apenas estejamos, coletiva e individualmente, tentando transformar em ações algumas das nossas concepções, mudando de paradigmas. E, catalizar essa mesma força para a demolição dos pre-conceitos sobre as diferenças.

Em especial as que afetam nossas memórias históricas da Escravidão, das Eugenias, da Ditadura Militar e das Marginalizações e Exclusões Sociais. Temas que cabem muito bem em baús ou sotãos do esquecimento cultural e histórico brasileiro.

No dia 21 de setembro estão marcadas algumas ''comemorações'' em todo o País. E um bom número será de confirmação de conquistas históricas de todos os brasileiros e brasileiras. Mas o que semeamos, ou as pequenas flores ou árvores de direitos ainda precisam de muito adubo legal, muita água de mudanças e atualizações e, indispensavelmente, uma contínua avaliação dos solos de cidadania onde se enraizam e se confirmam.

Quanto ao campo das deficiências e das pessoas que as vivenciam, em suas multiplicidades de ser e estar, podemos dizer que muitos avanços tivemos nos últimos anos. Brotaram e cresceram muitas árvores e raízes legitimadoras. A começar pela confirmação de uma dupla mudança de paradigmas com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Ao ser ratificada, assim como seu Protocolo Facultativo, conseguimos a abertura para que seus artigos, fundamentados e fundamentadores de Direitos Humanos, pudessem estimular a ativa participação de todos na sua efetivação e avaliação crítica.

Abrimos uma grande vereda por onde se dará a inclusão social de milhares de pessoas com deficiência, em especial as que vivenciam as vulnerações do cotidiano brasileiro: pobreza, invisibilidade social, desfiliação, preconceitos e estigmas arraigados que aceleram sua exclusão e marginalização.São milhares se não forem milhões de cidadãos e cidadãs. Muitos que atravessam a realidade do que devemos defender: os direitos inalienáveis à Saúde, à Educação e à Preservação do Meio Ambiente.

O mundo em concertação na ONU, as pilastras da acrópole ateniense balançam a economia mundial, fala-se, a granel, de combate à corrupção, apela-se para a transparência com as ações dos Estados. Mas nossas ações não podem cessar sua semeadura micropolítica, sem a mesma pretensão estatal, pela afirmação de todos os direitos humanos.

Não podemos perder de vista nosso papel de pequenos "agricultores/fazendeiros/sem-terra" de revoluções moleculares em territórios menores. Será em nossas construções cibernéticas nas redes sociais? será no emponderamento de nossos movimentos de protesto e de afirmação de uma gramática civil? será em nossos conselhos municipais de defesa de direitos, capilares de um exercício de cidadania indispensável?

Escrevi para o livro Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência Comentada, e hoje reafirmo que: "... Há que ter dignidade para que possamos afirmar a vida. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que regula o direito das pessoas com deficiência de viverem de forma independente e serem incluídas nas suas comunidades, confirma o papel dos Estados Partes, dizendo que: “ reconhecem o direito à igualdade de condições de todas as pessoas com deficiência para viverem em comunidade, com opções iguais aos demais, e adotarão medidas efetivas e pertinentes para facilitar o pleno gozo deste direito pelas pessoas com deficiência e sua inclusão plena na comunidade...”([1]).

Portanto, nessa alegoria primaveril, é urgente uma busca coletiva, para além das marchas públicas e notórias, para além de nossas petições, de uma interrogação sobre nossa compreensão de diferença e de igualdade. Não podemos nos esquecer a igualdade que defendemos para que o Direito à Vida digna seja conquistado para todos e todas. Mas não podemos perder, pela exigência de segurança social, habitação, condições de alimentação e sobrevivência com dignidade, a exigência do respeito às singularidades, às individualidades e às diferenças.

Há sempre o risco de um ''falso'' igualitarismo macropolítico nos rondando. Há sempre os que nos dizem criarem leis para nos proteger, coletivamente, mas massacrando nossos direitos individuais. Não podemos pisar nos trevos, nascendo dentro dos mínimos jardins, mesmo os mal cuidados ou abandonados, alegando que estamos preparando o solo para plantar, uniforme e homogeneizadamente, a serialização dos eucaliptos.

Eles podem sugar toda a água, e a Gota da Vida, que faz germinar a diversidade e diferença. Podemos criar desertos áridos e infecundos na pura afirmação de direitos econômicos que só alimentarão muito poucos, muitos que se tornarão os privilegiados. E a privação torna-se natural.

HOJE, 21 de setembro de 2011, com um olhar para além do olhar, hoje mais fascistante do que democrático, pode ser mais um dia para não esquecermos que todos os caminhos das diferenças, nos levarão ao que Boaventura, ao criticar a hipocrisia democrática diante das discriminações étnico-raciais, nos disse: ..."Admite que os negros e os indígenas são discriminados porque são pobres para não admitir que eles são pobres porque são negros e indígenas..." .

E que quando estes marginalizados se organizam, questionando seu status de Vidas Nuas ou desqualificadas, eles (nós) se distinguem por duas razões: "Em primeiro lugar, empenham-se na luta simultânea pela igualdade e pelo reconhecimento da diferença. Reinvindicam o direito de ser iguais quando a diferença os inferioriza e o direito de serem diferentes quando a igualdade os descaracteriza. Em segundo lugar, apostam em soluções institucionais dentro e fora do Estado para que o reconhecimento dos dois princípios seja efetivo..." [2]

Nesse momento é que devemos nos incluir nas propostas de discussão sobre as leis que, sob formato de Planos Nacionais ou Estatutos ou Leis ou Decretos. Hora e urgência, para que o lema Nada sobre Nós, Sem Nós, da Vida Independente, possa ser uma possibilidade de uma outra primavera, um outro e renovado modo de empatia e respeito à Diferença dos Outros em Nós. E a Diferença nossa de cada dia estará semeando/colherndo a igualdade de Direitos...

PS - Ah! já ia me esquecendo. Dia 21/09/11 também está sendo o dia escolhido para uma ''paralisação'' dos Médicos que atendem Planos de Saúde. Espero que os exames de laboratório que fiz não tenham seu resultado adiado, pois a sua e a minha Saúde, assim como a Dona Morte, não deixarão de se apresentar, mais cedo ou mais tarde... Torço para que as operadoras reconheçam o quanto tem explorado, economicamente, a classe médica e seus usuários, e que nós reconheçamos o quanto somos participantes dessa exploração diante do Direito à Saúde.

Desejo que a Primavera da Saúde também receba a mesma atenção e cuidado para que o SUS possa superar todos os desafios e impasses que a saúde coletiva e pública brasileira tem experimentado...
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Copyright jorgemarciopereiradeandrade 2011/2012 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e em outros meios de comunicação de massa

[1] Bueno, Luiz Cayo Pérez & Jimenez, Esther Trujillo, La Discapacidad como una questión de derechos humanos – una aproximación a la Convención Internacional sobre los Derechos de lãs Personas com Discapacidad, Madrid, Espanha: Grupo Editorial Cinca, S.A., 2007

[2] Sousa Santos, Boaventura - As dores do pós-colonialismo - Publicado na Folha de São Paulo em 21 de Agosto de 2006 - http://www.ces.uc.pt/opiniao/bss/163.php

CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA -
Decreto Legislativo 186/2008 - Decreto Lei 6949/2009
3ª ed- rev - Brasília - Secretaria de Direitos Humanos - Secretaria de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência , 2010.
Na internet http://www.bengalalegal.com/apresenta.php http://www.bengalalegal.com/convencao.php

A CONVENÇAO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA COMENTADA - Coordenação de Ana Paula Crosara de Resende e Flavia Maria de Paiva Vital - Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos - Corde - 2008.
Na Internet - http://www.bengalalegal.com/comentada.php

Sobre SAÚDE indico leitura do texto RECURSOS PARA A SAÚDE de Vinicius Garcia - Blog Três Temas - http://vggarcia30.blogspot.com/

Informações adicionais:
O Dia Nacional de Luta das Pessoas Deficientes foi instituído pelo movimento social em Encontro Nacional, em 1982, com todas as entidades nacionais. Foi escolhido o dia 21 de setembro pela proximidade com a primavera e o dia da árvore numa representação do nascimento de nossas reivindicações de cidadania e participação plena em igualdade de condições...


DIA NACIONAL DE LUTA DAS PESSOAS com DEFICIENCIA
Lei Nº 11.133, DE 14 DE JULHO DE 2005
http://www.cedipod.org.br/dia21.htm


21 de Setembro: um dia para não esquecer Alzheimer!
 http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=50994&op=all

LEIA TAMBÉM NO BLOG -
PARA ALÉM DO PRECONCEITO - A CONVENÇÃO, CIDADANIA E DIGNIDADEhttp://infoativodefnet.blogspot.com/2010/12/para-alem-do-preconceito-convencao.html

ALZHEIMER NÃO É UMA PIADA -
http://infoativodefnet.blogspot.com/2011/06/alzheimer-nao-e-uma-piada-mas-pode-ser.html

CARTAS de-VIDAs à DONA MORTEhttp://infoativodefnet.blogspot.com/2011/08/imagem-publicada-foto-do-ator-al-pacino.html

NOSSAS IN-DEPENDÊNCIAS DA DONA MORTE em 11/09/2011http://infoativodefnet.blogspot.com/2011/09/nossas-in-dependencias-da-dona-morte-em.html

SAÚDE MENTAL E DIREITOS HUMANOS COM DESAFIO ÉTICO PARA A CIDADANIA http://infoativodefnet.blogspot.com/search/label/Sa%C3%BAde%20Coletiva

domingo, 11 de setembro de 2011

NOSSAS IN -DEPENDÊNCIAS da DONA MORTE em 11/09/11


Imagem Publicada - a capa de DVD do filme "11"09'01", realizado por 11 diretores de diferentes nacionalidades, culturas e pontos de vista acerca do ataque terrorista às Torres do WTC, em Nova York, em 11 de setembro de 2001. São episódios de curta duração, alguns minutos que condensam a sensibilidade e a diversidade humana diante de tragédias coletivas. A capa traz recortes, fotográficos, dos episódios, como se fossem as torres gêmeas, e o nome de todos os 11diretores de cinema abaixo do título,11 de Setembro, em letras vermelhas.


Caríssima e sempre atemorizadora Sra.
Dona Morte

Assisti muito pouco da cerimônia de homenagem aos mortos das duas torres. Apenas observei, quando despertava de mais uma noite mal dormida, por minhas dores, que as dores dos familiares ainda estavam presentes nesse espetáculo-lembrança. Lá estavam, atrás de vidro blindado, os presidentes, o passado Bush e a atualidade Obama.

Cara Dona Morte, ultimamente reforçou-se em mim as lembranças de um velho livro: A NEGAÇÃO DA MORTE. Nele seu autor, Ernest Becker nos traz uma das mais preciosas leituras sobre as nossas in-dependências da morte. Nele se explica um pouco do modelo norte-americano agora reificado e midiatizado, a transformação de nossos heroísmos codificados em solução para as nossas mortes em massa. Apesar de querermos ser livres na sua presença oculta em nós, por temor e terror, somos seus melhores aliados quando se fala sobre e com as massas.

Se estivesse podendo convidá-la para assistir a uma boa reflexão sobre nossos modos biopolíticos de lidar com esse evento, a queda do World Trade Center, a convidaria para assistir o filme coletivo ''11'09''01". Esse precioso trabalho foi realizado pelos cineastas: Samira Makhamalbaf (Irã), Claude Lelouch (França), Youssef Chahine (Egito), Danis Tanovic (Bósnia), Idrissa Ouedraogo (Burkina Faso), Ken Loach (Reino Unido), Alejandro González Iñárritu (México), Amos Gitai (Israel), Mira Nair (Índia), Sean Penn (EUA) e Shohei Imamura (Japão).

Já citei a beleza e reverência, sem extensão, ao episódio construído pela direção de Samira Makhamalbaf. Eu a citei no meu texto em homenagem aos professores: Um pedaço de giz na lousa digital. O que esta cineasta iraniana nos traz é um pouco mais de reflexão, quiçá o melhor e mais ético episódio do filme, através de uma professora cheia de realismo.

Tudo começa em uma olaria, um local pobre, na fronteira do Irã, onde um homem morre ao cair em um poço. O importante, a seguir, é o que a professora faz para chamar a atenção das crianças que estão amassando barro. Ela vem distribuindo livros. Eles, então, se reúnem em um espaço onde se sentam sobre o chão. O quadro negro é precário, e nele a professora representará do que ocorreu naquele dia 11 de setembro de 2011.

Essa professora de Samira interroga aos seus alunos, assim como aos espectadores, se sabem o que aconteceu de importante nessa data. Elas, respondem sobre a presença concreta de sua digníssima pessoa: a Dona Morte. Uma menina fala dos homens que caíram no poço em busca da água, quando um deles morreu, e outra da sua tia que foi morta apedrejada por talibãs no Afeganistão. São todos ali um resultado das guerras e dos processos geopolíticos de migração após as mesmas.

A naturalização de sua presença, Dona Morte, faz com que essas crianças só conheçam um presente muito fugaz. Estão fazendo tijolos para se abrigarem de ''bombas'' que podem ter de enfrentar logo depois de suas aulas. Afinal lá também se temem homens-bombas e exércitos estrangeiros.

Dona M., se assim posso lhe chamar, ficam explicados pelo realismo de Samira a sua atividade criativa de Vida naquela aldeia miserável do Irã. Lá onde, até hoje, refugiados afegãos esperam uma espécie de ''solução final". Porém lá não há campos de extermínio eficazes como os nazi-fascistas. Lá só permanecem campos de exílio ou de refúgio.

A persistente e resiliente professora é um baluarte da compreensão que todos deveríamos ter. Ela instiga seus educandos, com os pés descalços, a responder o que aconteceu lá longe. Ela lhes conta das torres gêmeas. As crianças afegãs não conhecem torres imperiais. Ela lhes mostra então as chaminés, fumegantes, feitas de tijolo.

Se nos transportamos para este cenário, se nos sentarmos naquele chão batido e sofrido, talvez respondêssemos como as crianças, de 5 para 6 anos. Diríamos que foi Deus que destruiu as torres. Porém uma das crianças retruca que não foi, pois 'Deus não destrói as coisas, mas apenas os homens', nós a parte carnal de sua criação. Teríamos, então, uma boa discussão politica e teológica, e, quem sabe, encontraríamos as respostas sobre o que os terroristas em aviões pensaram minutos antes de obrigarem dois aviões causarem aquela demolição do símbolo máximo dos EUA.

Creio como Becker que estes estavam imbuídos, no seus fanatismos, do contrário que as crianças refletem nesse lindo episódio fílmico. Eles, sob a alegação do extremismo ideológico, passam a se crerem também ''superiores'' àqueles que devem exterminar. Repetem como os criadores de câmaras de gás ou de cremação a mesma transformação em Vidas Nuas a existência de um Outro e suas diferenças a destruir.

Houve um outro 11 de setembro a para não apagar da História, lá no Chile também se praticou esse tipo de terrorismo e ideologia da superioridade. Lá o extermínio foi iniciado em campos de futebol.

Digo-lhe, então, que os Pinochets tornam-se muito próximos de nós, independente de sua nacionalidade, seja o recente terrorista Breivik (ing) ou de nosso exterminador da Escola de Realengo. Todos acreditam não ter medo da Senhora Dona Morte. 
Ao contrário, eram, são e serão seus adoradores, psicopaticamente, tendo-a como uma redenção de suas próprias vidas amargas. Para eles outras vidas dos outros não são Vidas.

Os extremistas, em seus narcisismos das pequenas diferenças negam as vias políticas para resolução dos messianismos ou dos fundamentalismos. Aproximam-se de mártires religiosos e crêem, piamente, em suas 'outras vidas'.

O que Samira Makhamalbaf faz com sua micropolítica representada por seus ''alunos'' afegãos é romper, silenciosamente, com esta visão. Ela aponta o medo que temos da Dona Morte e por isso precisamos, artesanalmente, de amassar o barro, endurecê-lo e com ele construirmos, juntos, um minuto, apenas um minuto de reverência a Morte do Outro, dos Outros, mesmo que nomeados "nossos inimigos". Não importa quantos quilômetros nos separem no mundo globalizado. Somos todos "vizinhos-próximos" da Senhora Dona Morte.

Por isso, Dona Morte, mesmo que, assombradamente me perturbe, nos últimos dias, levando-me parte de meu coração, ainda quero me afastar das soluções geradas pelo ''terror'' de sua vinda e presença. Prefiro reler e revisar minhas leituras dos anos 70, como o livro de Becker, ou procurar uma resposta em afirmações de vida, sem as prerrogativas de encontrar meus entes queridos em "outra vida''. A vida feita em tijolos é ainda a realidade que gostaria de mudar.

Não creio, como solução, nas demolições de torres ou em campos de concentração, de extermínio ou Guantánamos da vida. Quanto mais deixarmos de temê-la e propagá-la como temor, Dona Morte, mais vidas lhe obrigaremos a não ceifar.

Aos que me deixam, quando a Senhora ganha terreno e nos obriga a reconhecer sua irreversibilidade, dedico hoje minha reverência pessoal. Dedico ainda a minha reverência, como Samira, aos que sobre-vivem indefesos para além de vidros blindados. Dedico minha total e silenciosa consternação aos que ainda estão morrendo por tentarem salvar das cinzas os que tombaram nas torres. E deixo para todos e todas o convite à reflexão, não distanciada, dos outros episódios dos diretores do filme "11'09''01".

Dona Morte há nesse filme, também, o que nos pode salvar. 

É o humor do diretor Idrissa Quedraogo, que nos traz também crianças como protagonistas principais. Eles são os meninos que creem, à época, terem visto Osama Bin Laden, e partem para a sua captura, pois, afinal, sua cabeça custava mais de $25 milhões de dólares. E, nós, os que vivem abaixo do Equador, principalmente em Burkina Fasso, sonhamos em sair da miséria, comer bem, vestir um sapato e até andar de ''cadilacs''...

Portanto caríssima senhora, envio mais esta missiva, em tempos de criação de anti-heróis na vida prática, com a permanência de busca de heróis que possam morrer de overdose, para que a distinta possa nos assolar menos, dando-nos um tempinho para tomar fôlego para aprendermos a reconstruir nossas metas e criarmos nossas novas cartografias e ecosofias aliadas. Em tempos de GPS e localização imediata de onde estamos geograficamente, ainda não respondemos a algumas perguntas:

"Na misteriosa rota em que a vida nos é concedida na evolução deste planeta, isso nos empurra na direção de nossa própria expansão. Não o compreendemos simplesmente por não conhecermos a finalidade da criação; somente sentimos a vida latejando em nós e vencemos os outros enquanto se entredevoram. A vida tenta propagar-se em uma direção desconhecida por motivos desconhecidos..." (Ernest Becker)

Texto em homenagem póstuma a um ''índio'' da floresta amazônica que amava a floresta da Tijuca e o Rio de Janeiro... e lá se despediu em busca de seu abraço, apenas por amor...

copyright jorgemarciopereiradeandrade 2011-2012 - 2021 ad infinitum  (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa, todos os direitos reservados)

FILME - ''11'09'01'' - França - 2002 -
 https://cinema.terra.com.br/ficha-filme/0,,OI678-EI1176,00+11+de+Setembro.html

VIDEO NO YOUTUBE Assistam o trailer, procurem o filme - 11'09"01 - September 11 https://www.youtube.com/watch?v=3haDg8wk3BE

Referências no texto: A NEGAÇÃO DA MORTE - Ernest Becker - Editora Círculo do Livro, São Paulo, SP, 1977.

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UM PEDAÇO DE GIZ NA LOUSA DIGITAL -
https://cinema.terra.com.br/ficha-filme/0,,OI678-EI1176,00+11+de+Setembro.html

A MORTE DO FANÁTICO NÃO MATOU O FANATISMO - https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/04/morte-do-fanatico-nao-matou-o-fanatismo.html

A TOLERÂNCIA É MAIS QUE UM FEIJÃO COM ARROZ NO MEU BACALHAU? - https://infoativodefnet.blogspot.com/2011/07/tolerancia-e-mais-que-um-bacalhau-no.html

AOS PAIS QUE APRENDERAM COM (AR)DOR AS PERDAS - https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/08/aos-pais-que-aprenderam-com-ar-dor-as.html