sexta-feira, 11 de setembro de 2015

O SUICÍDIO E A DOR

Imagem publicada – uma pintura que fiz há algum tempo atrás, e a memória me falha, de uma série a partir da foto que fiz de uma estátua de uma madona clássica, grega, e seu filho nos braços... Com tons predominantes em azul, violeta, cinza e fundo em amarelo, o amarelo que usam para simbolizar este mês dedicado à prevenção do suicídio, ao Alzheimer e outros padecimentos, desesperos ou temas esquecidos na velocidade em que se apagam as memórias do hoje. A foto, a fiz nos anos 80 em preto e branco. A memória evocada é a dos filhos e nossos filicídios praticados desde a Esparta bélica ontem até às praias da Turquia dos refugiados sírios da guerra suicida de hoje.

Este texto é dedicado aos que demolem, demoliram e demolirão todas as arrogâncias, as onisciências e onipotências, mesmo daqueles ou daquelas que o abraçam ou abraçarão em seu último salto vital... em vão ou não...

Hoje se fala com maior clareza sobre um tema que já foi negado, proibido e excomungado: o Suicídio. Nos dicionários ainda o definem como o ”ato de tirar voluntariamente a própria vida’’. Mas o que seria esse ”tirar’’, ele pressupõe que ela, a Vida, nos é dada, ou que teria e tem um sentido de valor, seja individual ou societariamente. Continuamos nos interrogando.

Desde Albert Camus não mais podemos nos negar a encarar sua relação íntima com outra palavra e experiência humana: a Dor. Camus, em seu Sísifo mítico, nos diz “que não há mais do que um problema filosófico verdadeiramente sério: o do suicídio. Julgar que a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à questão primordial da filosofia...”. Para a filosofia, desde Epicuro ou Empédocles, já tínhamos as implicações de dor/felicidade, viver in-tensamente, superar a dor do viver ou morrer.

Assisti hoje pela TV a campanha de prevenção de suicídios, e a repórter fez a conexão dos termos, temos hoje um grande número de suicídios, principalmente de jovens, que se matam (além dos que são mortos ou 'suicidados) não apenas pela dor, mas “pela certeza de que ela não cessará”. O que levaria, então, a tantos buscarem o suicidar como saída de algo que não cessa e nem cessará jamais...

Segundo a Radio Onu: “...o primeiro relatório sobre prevenção ao suicídio da Organização Mundial da Saúde, OMS, fez um alerta:  mais de 800 mil pessoas cometem suicídio por ano no mundo. Isso representa uma morte a cada 40 segundos”.  Para a OMS desses 800.000 mil são, na maioria, jovens entre 15 e 29 anos que se suicidam por ano. Já em matéria daqui crescem o número para 1.000.000 de suicídios, em estatísticas que merecem atenção, mas também um olhar crítico e bioético. Publicam que temos 25 suicídios por dia no Brasil.

Portanto, não bastará um mês, este setembro. Um dia, uma semana ou uma campanha internacional vestindo o amarelo alerta para interromper todas as dores que assolam e se recrudescem globalmente. A produção dos padecimentos, perdas, ruínas, guerras, desfiliações, migrações forçadas, desamparos, depressões, desempregos, trabalhos escravos, gentrificações, pauperizações e desastres econômicos continuam a produzir a serialização de aflitos e de desesperanças no viver.

Morrer se naturaliza e se torna banal. E há os que ainda pregam e legitimam mais armas em todas as mãos...

Não há apenas os que suicidam, na concepção do “tirar” a própria vida, muitas delas já foram “roubadas, vilipendiadas, extorquidas, humilhadas, miserabilizadas”, e daí surgem, como diria Artaud sobre Van Gogh, ‘os suicidados pela Sociedade’. Portanto, repensando a visão ainda condenatória do sujeito, há que repensar a ‘culpabilidade e irresponsabilidade’ dos que, moralisticamente, se sentem violentados pelas dores que os suicídios e suicidas causam.

No Nepal, lá nas alturas, onde se espera que o espiritual seja tão rico como as neves do Himalaia, após o último terremoto, já meio esquecido pelo Ocidente, de acordo com a matéria Agencia EFE: “O número de pessoas que tiram a própria vida subiu no Nepal, com um aumento do 41,24% nos três meses posteriores ao terremoto que castigou o país em abril, em comparação aos três meses anteriores...”.

A maioria, pelos mesmos motivos que afligem a Síria, Ruanda, Haiti, Sudão ou qualquer outro país onde a terra é varrida por bombas, terrorismos ou por tremores, da Gaia ou dos Homens. Há os que são e serão afogados no Mediterrâneo ou no Egeu. Fogem de terrores nas suas terras de origem e se afogam nas águas que podem levar para uma neo escravidão e segregação, quiçá ‘menos’ terrível do que já viviam. Muitos, depois, não suicidarão...

A hora é de resgatar o poeta Jonh Donne e repicar os sinos que também dobram por nós, nós que também somos tão tristemente humanos como o menino sírio na praia turca. Nós que também somos suicidados embora naturalizemos nossas cotidianas e quase invisíveis formas de nos matar. Nós que julgamos covardes ou egoístas os que desistem de atravessar outros mares ou quando não há mares, só desertos e solidão.

Retomo aqui o binômio do texto, há sempre dor no suicídio. Seja dos que o cometem, seja dos que os padecem, experimentam sem tréguas ou dos que a negam tê-la infligido. Abdulá Kurdi, o pai sírio, assim como eu já o fui, deve ter pensado nesse último refúgio diante da perda irreparável.

Aos que não escutam ainda o que é dor do Outro reflitam sobre a frase de uma enfermeira especializada em cuidar e manejar essas dores: “A dor é qualquer coisa que a pessoa que a experimenta diz que é, e existe sempre que essa pessoa diz que existe.” (Margo McCafferty). Talvez isso possa não aliviar e nem diminuir a dor. Com certeza poderá criar o segundo que preciso ter antes de saltar da ponte ou se imaginar nos braços da Dona Morte.

Nos suicídios, nos diferentes suicídios, somos ‘refugiados’ da Dor ou de outras dores....

(copyright/left jorgemárciopereiradeandrade 2015-2016 favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação de e para as massas)

IN MEMORIAM de AYLAN KURDI (poema publicado no Facebook 03/09/2015)

NOS MEUS BRAÇOS, ME DEIXAM NATIMORTO...
 (jorgemárciopereiradeandrade 2015)

Nos meus, nos seus, nos nossos braços
Depositam-nos mais um natimorto...
Nasceu como os outros, quase cresceu,
Mas ao mar dos sargaços e dos sarcasmos
Lançados, despejados e quase vivos jogaram...

Nos braços hiper capitais
E de capitães de econômicas areias movediças,
São lançadas, como grãos dessas areias, aos milhares, aos milhões,
Muitas outras, muitos Outros, muitas nuas e re-vestidas
Crianças apátridas e filhotes de guerras,
Filhotes, que não são nossos filhos...

À distância são e serão primeiro Zoé, coisa e bicho,
Depois, como Homo Belicus, nos dizem que somos Bios, somos gente de bem,
Mas nos tratam como nosso próprio lixo, escombros de bombas e perdidas balas...

Já esses/essas que nascem previamente mortos,
Pela falta de preço e apreço, ou royalties bélicos, tão numéricos,
Nas margens onde os crio sem os amar, se tornam Mar,
Oceanos ou barrentos Rios, cheios meninos, meninas naturalmente mortos,
Ou serão eles seus próprios e futuros ontem assassinos¿...

TIREM URGENTE-MENTE, ESSES MENINOS OU MENINAS DOS MEUS BRAÇOS!
QUE AS ONDAS DE NOSSA PUREZA SOCIAL
LIMPEM DE NOSSAS PRAIAS E CONFORMES,
ESSES INCONTÁVEIS, POLUENTES E INFAMES...
LIMPEM NOSSOS TELESCÓPIOS, BINÓCULOS,
E/OU LENTES TELEVISIVAS,
 POIS QUE NOSSAS ‘BOAS’ CONSCIÊNCIAS,
SÓ CHOCAM QUANDO OS ENXERGAMOS BEM DE PERTO...

Matérias publicadas sobre prevenção de suicídios:

Brasil tem 25 suicídios por dia. Estado lança campanha de prevenção https://www.bemparana.com.br/noticia/404829/brasil-tem-25-suicidios-por-dia.-estado-lanca-campanha-de-prevencao





Atualização em 2021 - PANDEMIA DE COVID-19 AUMENTA FATORES DE RISCO PARA SUICÍDIO - https://www.paho.org/pt/noticias/10-9-2020-pandemia-covid-19-aumenta-fatores-risco-para-suicidio

O AUMENTO DE SUICÍDIO ENTRE JOVENS É FENOMENO MUNDIAL - https://sinapsys.news/o-aumento-do-suicidio-entre-os-jovens-e-um-fenomeno-mundial

LEIAM TAMBÉM NO BLOG:


OS NOSSOS CÃES desCOLORIDOS - Nossas "depressões" e o Dia Mundial da Saúde Mental  https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/10/os-nossos-caes-descoloridos-nossas.html


A DONA MORTE É GLOBAL, MAS NOSSO TESTAMENTO PODE SER VITAL. https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/09/a-dona-morte-e-global-mas-nosso.html

CRIANÇAS SÃO MORTAIS! - O Suicidado pedagógico https://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/09/criancas-sao-mortais-o-suicidado.html

11 comentários:

  1. Parabéns pela pintura, pelos escritos e pelo blog, serei mais assíduo, curti muito! valeu pela dica e por dividir conosco sua cultura.

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  2. Carissimo Ramedlav
    obrigado pelo carinho e estímulo, e lhe envio um pequeno poema escrito ontem sobre o tema: ... o Suicídio, a Dor e a Pedra... O suicídio nega.... a dor renega... e a Pedra que tentamos lapidar é a Vida,,, é a regra e a mesma de Sísifo.... doceabraçovital jorge márcio

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  3. Você faz jus ao diploma Jorge Marcio . O ser humano vem em primeiro lugar em todos textos publicados . A experiência mais próxima de suicídio vivida por mim foi com a idade de 9 anos, o pai da minha amiga de infância tirou a vida por enforcamento, eram nossos vizinhos e minha mãe foi a primeira pessoa que os socorreu. O cadáver era o papai noel da vila, mas eu nem desconfiava . Deixou 4 filhos , o menor tinha 2 aninhos . Convivi com a revolta deles e falta de bens materiais necessários para dignidade. Minha amiga na fase adulta casou-se e foi morar em Brasília. Nas visitas anuais para a terra natal, não conseguia visitar o túmulo do pai. Todos julgavam o morto. Eu particularmente nesse vizinho um bom coração, morávamos em um morro e seus pais eram nossos primeiros vizinhos. Percebia que tinha um carinho especial pela minha mana especial, quando nos cumprimentava, a Miriam recebia atenção e cumprimento individual. No dia em que tirou a vida, eu e minha mana estávamos na varanda da frente da casa e desceu com uma corda e disse " boa tarde Miminha " e meio cabisbaixo . O apelido era Mimi. Se imaginasse que a corda fosse tirar sua vida , poderia ter feito algo. Mas eu era uma criança ainda. O que estaria faltando em nossas vidas ? Basicamente apoio e confiança.

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  4. Obrigada Jorge Márcio por compartilhar os teus texto e poemas. Sempre nos chamando à reflexão. Estes dois temas... extremamente forte! Difícil de ler até o final.... Dói muito!!!

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  5. Uma visão humanista, sempre pertinente... ainda mais nesses tempos em que querem fazer do individualismo e do cada um por si a lei máxima. Continue com o bom trabalho.

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  6. Caro Jorge Marcio.
    Belíssimo texto, que nos remete à reflexão sobre o estilo de vida criado pelo Capital, que sufoca as pessoas até que não vejam mais saída senão a fuga da dor de ter que viver como estabelecido por esses padrões de lucro e competitividade acima de tudo. A sua abordagem do problema, justamente por apontar o contexto social do suicídio, me parece mais honesta que a da OMS na primeira referência, que fala brevemente de medidas em saúde mental, ou seja, o problema não é da sociedade, é do suicida e de sua família (como também ocorre com o racismo, julgado por muitas pessoas como um problema dos negros, e não da sociedade brasileira). Me parece que em ambos os casos - racismo e suicídio - estamos falando de exclusão da vida digna, com manifestações de morte em vida ou de busca da vida na morte. Falar sobre essas condições que nos sufocam a humanidade, e lutar para transformá-las, é um ato de resistência em prol da dignidade do ser humano! Abraços, Débora.

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    1. Querida Debora
      O seu comentário, ou melhor suas sensíveis observações sobre o texto, me tocaram e me remeteram à necessidade de retirarmos mais ainda a visão de expiação e culpa que se aplicam aos que, no medo forjado e no desespero imposto, desistem de lutar por suas próprias vidas... Cito aí o texto de Epicuro emua Carta sobre a Felicidade (a Meneceu) que nos diz que: "...Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é nem totalmente nosso, nem totalmente não nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda certeza, nem nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais....''. Sei apenas que tenho re-existido no aprendizado cotidiano com a Senhora Dor a dialogar com a Dona Morte, sem o temor infundido pela lógica capitalística do viver e do morrer... obrigado (e me permito reproduzir seu texto e sensível observação comentada no meu blog e em outros posteriores textos que sonho escrever) obrigado e um DOCEABRAÇORESILIENTE jorgemárcio

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  7. Caro Doutor, parabéns! Seu texto causou-me tristeza e ao mesmo tempo reflexão sobre o poder violento do capitalismo. E aí eu me questiono: -Aqui no Brasil esse fenômeno vem aumentando, e o quê fazer de imediato, já que emperramos na condução que estava nos conduzindo à transição para outro modo de produção menos cruel e injusto????????????? Um abração carinhoso.

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  8. Magnifico texto. Lindo poema. A tristeza toma conta da gente ao ler seu poema.

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